sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

SOU MUSSORONGO, AGRICULTOR E PESCADOR


Por: Emílio Londa

Soyo é um dos seis municípios que constituem a província do Zaire. É um município de importância estratégica para o país porque neste situa-se uma das maiores bases de apoio as operações petrolíferas, a Base do Kwanda, e por lá estarem localizados os únicos campos do país onde há exploração petrolífera em onshore. Historicamente o Soyo é conhecido por ser “o primeiro povo angolano” a ter contacto com os descobridores portugueses. Nele situa-se a Ponta do Padrão e o Porto do Pinda.

Neste breve texto vamos procurar descrever o estado das duas actividades primárias deste município, a agricultura e a pesca. No final desta análise descritiva vamos deixar breves recomendações de políticas para incentivas estas duas actividades básicas da vida das populações deste recanto de Angola.

i) Descrição do Sector Primário

Não obstante os mais de vinte anos de exploração petrolífera no município, a sua população é essencialmente agricultora[1]. Usando meios agrícolas simples como a enxada e a catana, organizados segundo uma base familiar, estas populações praticam exclusivamente agricultura de subsistência. Usando extensas terras, não fazem uso de fertilizantes e dependem exclusivamente das chuvas para a irrigação. Os produtos mais frequentes são o milho, massangano, massambala, mandioca, batata, feijão e amendoim.

Esta actividade (agricultura) que sustente a maior parte da população deste município não tem recebido apoio da parte do governo local no sentido de incrementar as taxas de produtividade. Uma das áreas que mais carece do apoio do Governo[2] é a dos transportes tanto das pessoas como dos produtos o que, de certo, pressupões maiores e melhores vias de acesso às lavras.

Nos últimos anos, devido a uma visível mudança estrutural da economia da província (essencialmente em resultado de falta de políticas viradas para a agricultura) é visível um abandono em massa da juventude da actividade agrícola para outras como o comércio e os serviços. Para a manutenção do equilíbrio agrícola, esta fuga da mão-de-obra deveria ser compensada com um aumento da produtividade da agricultura. Mas isto também não acontece.



Fig. 1 - Uma mulher agricultora na região do Soyo



Para além da falta de políticas de fomento da actividade e da baixa dos níveis de produção provocada pela fuga de mão-de-obra, nos últimos anos, os agricultores deste município enfrentam problemas ecológicos reais que os transcende tanto em compreensão como na capacidade de intervenção. Por efeito da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, muitos dos principais cultivos tornaram-se improdutivos. Um dos casos mais flagrantes é o da Kizaca que, por acção da poluição, tomou uma forma totalmente anormal. O outro caso é do o Caju que simplesmente deixou de existir no município. Em algumas zonas deste município, os coqueiros perderam completamente as suas ramas e tomaram o aspecto de queimado[3].

A Pesca é a outra actividade primária frequente no município do Soyo em resultado do facto de este ser totalmente cercado pelos braços do rio Zaire e pelo oceano Atlântico, constituindo uma verdadeira grande ilha. Os peixes e crustáceos que mais abundam nos rios e mar do município são: a corvina, o pargo, a garopa, o barbudo, o linguado, o maluia (especifico do rio Zaire), o tubarão bagre, a espada, a faneca, a savelha, a raia, a lagosta e o caranguejo.

As modalidades de pesca praticadas no Soyo são: a pesca artesanal (com fins de subsistência e comercial) e a pesca industrial (para fins comerciais). A primeira é principalmente destinada ao mercado interno ou a exportação (a escala insignificante) para as repúblicas vizinhas do Congo Brazaville e Congo Democrático. É controlada localmente e, dado a pouca escala de produção, tem pouco impacto sobre a economia do município. A segunda é praticada por navios industriais provenientes de Luanda ou do estrangeiro. São “controlados” a partir de Luanda onde pagam os respectivos impostos. Por exclusão, fica claro que neste município não se praticada a pesca desportiva[4].

Chegado ao porto, e depois de alguns tramiteis legais, o peixe (resultante da pesca artesanal) é vendido às revendedoras (normalmente senhoras). Estas os vendem a retalho no mercado municipal ou junto aos potenciais clientes (venda ambulante). As margens de lucro praticadas por estas revendedoras são pequenas devido a pouca procura que é resultado do baixo poder de compra das populações e das falhas constantes de energia eléctrica que impossibilita a conservação do peixe.




Enquanto na agricultura a falta de desenvolvimento da actividade é resultante da inexistência total de políticas, nas pescas as razões do não desenvolvimento do sector resultam de factores diferentes. Neste conjunto de factores encontramos alguns de carácter tecnológico (tamanho e capacidade das embarcações[5]) e outros de carácter institucional (o tamanho do mercado e as taxas pagas para a obtenção de licenças). Conjuntamente, estes factores actuam no sentido de criar deseconomias de escala[6] o que impede o surgimento de uma indústria de nível médio.

Aos níveis actuais de utilização das embarcações, um aumento significativo do volume de pesca implicaria a multiplicação das embarcações. Com o aumento das embarcações aumentarão os custos fixos. Somando o facto do tamanho do mercado ser pequeno, esta multiplicação não seria acompanhada por aumentos proporcionais nos lucros. De seguida passamos a explicar esta relação.

As taxas pagas para a obtenção de licenças anuais de pesca eram até recentemente estabelecidas pelo Decreto conjunto (Ministérios da Economia e Finanças e das Pescas) n° 51/95 de 6 de Outubro[7]. Embora já revogada, é esta lei que melhor explica a actual estrutura do sector pesqueiro nacional e local, em particular. Com excepção da pesca de crustáceos e de atum de alto, esta lei tabela as Taxa Anuais das Licenças de Pesca para a frota nacional e para a frota estrangeira. Dado que a actividade destas duas categorias de frotas não é mutuamente exclusiva e dado que a actividade da frota estrangeira não tem impacto, no curto prazo (e no longo prazo, desde que se cumpram com os ciclos de restituição das populações marinhas), sobre a economia local, somente reproduziremos e analisaremos o impacto destas taxas na a frota nacional.


Usando os valores deste decreto, vamos mostrar que a taxa de crescimento do valor base da taxa de licença é tal que desincentiva que os pescadores incrementem os seus níveis de pesca impossibilitando assim o aumento da escala de produção.




Tabela 1 – Taxas Anuais de Licenças de Pesca (Peixes e Moluscos)
FROTA NACIONAL


Consideremos o seguinte exemplo. Suponha um grupo de pescadores artesanais que pescam 5 TAB por pescaria. Caso este grupo queira dobrar o nível de actividade, isto é, pescar 10 TAB por pescaria, eles vêm dobrar o valor da licença (de 50 Usd para 100 Usd). Assim sendo, só o farão caso haja incentivos (alheios ao sistema de licenças) neste sentido. Suponhamos que os pescadores, motivados por factores alheios a este sistema, estejam a pescar 10 TAB o que corresponde a 100 Usd. Caso queiram acrescer 5 TAB por pescaria, isto e, incrementar 50% do nível de actividade, têm que pagar uma taxa de 200 Usd que corresponde a um incremento de 100 Usd, igual ao aumento absoluto do caso anterior.

Uma solução óptima para este grupo de pescadores seria pescar 20 TAB pagando na mesma 200 Usd. No entanto, a tecnologia usada, e mais concretamente o tamanho das embarcações, impõe limites. Suponhamos que este limite seja de 15 TAB. O conjunto dos pescadores preferira pescar 10 TAB e pagar apenas 100 Usd do que pescar 15 TAB e pagar 200 Usd. Uma segunda solução seria o uso de embarcações maiores, no entanto, o capital nas comunidades de pescadores é escasso o que torna rara esta solução. Uma terceira solução seria o aumento da rotação da pesca. Para isso é preciso que haja um nível aceitável de procura que compense o aumento da intensidade da pesca ou o uso de métodos mais modernos de pesca. Como esta patente na tabela em referência, o uso de métodos de pesca mais modernos implica um incremento no coeficiente da arte a licenciar na ordem dos 33,3% para quem pratica pesca artesanal. Também uma solução inviável.

Conclusão: o grupo de pescadores continuará a pescar 10 TAB e a utilizar métodos de pesca pouco modernos e dificilmente passará para a pesca de nível industriais.


ii) A Recuperação do Sector Primário

Não obstante o grande crescimento relativo dos sectores secundário, terciário (no sentido lato) nas economias desenvolvidas, o sector primário continua a ser a base dos seus sistemas económico pelo que não deixou de cresceu em termos absolutos. O sector primário é o mais apto a absorver grandes quantidades de mão-de-obra e fornece meios para se erguer um sector industrial diversificado (no caso, independente do petróleo, um recurso em via de extinção). Como efeito imediato, o sector primário pode tornar o município do Soyo auto-suficiente em termos alimentares, mesmo antes de este ser um feito nacional. Assim sendo, urge que os nossos gestores públicos concretizem acções visíveis no sentido de estimular este sector da economia real.

35. Para estimular a agricultura e a pesca no município deve se proceder as seguintes acções:


a) Estudo profundo e abrangente dos retornos potenciais destas actividades (na perspectiva económica, dado um nível aceitável de tecnologia) segundo três cenários (pessimista, mais provável e optimista) onde algumas das variáveis são os aspectos climáticos, políticos e legais;
b) Proceder a um estudo de mercado onde sejam definidos e negociados linhas de escoamento dos produtos. Os principais mercados devem ser as províncias do Norte de Angola desprovidos de recursos pesqueiros e a capital do país para o escoamento dos produtos agrícolas;
c) Em função destes estudos, deve negociar linhas de crédito (internas e externas) para a importação de meios modernos (tractores, embarcações, carrinhas, etc.) que devem ser entregues a responsabilidade de uma sociedade de leasing para o apoio das actividades das famílias agrícolas e dos grupos pesqueiros. Esta sociedade deverá, como fruto da sua actividade, amortizar o crédito e os respectivos juro nos prazos definidos. Para que isto seja possível é necessário que os negociadores das referidas linhas de crédito consigam obtê-las sob as melhores condições contratuais.
d) Deve-se incentivar a produtividade por outras vias tais como, a disponibilização de fertilizantes e do know how, de forma que as actividades dos pescadores e dos agricultores seja financeiramente viáveis;
e) Incentivar, paralelamente, o investimento privado no sector, através da publicação das vantagens comparativas da região nestas actividades;
f) Paralelamente, devem ser levadas a cabo outras acções tais como a reestruturação da infra-estrutura que facilitem o escoamento (estradas, linhas marítimas, etc.), abertura de picadas para o acesso as lavras, palestras sobre os métodos e meios necessários para uma agricultura intensiva ou para uma pesca mais produtiva, palestras sobre as vantagens e desvantagens das várias formas organizacionais (cooperativas, empresas, etc.).

Uma agricultura e pesca mais desenvolvida beneficiará as populações deste município de outros deste rico país, além de libertar recursos para o crescimento dos outros sectores e de possibilitar alcançar os pressupostos de uma comunidade desenvolvida nas várias dimensões deste conceito.

[1] A segunda principal actividade das suas populações é o comércio a retalho. A posição geográfica favorável torna-o num porto obrigatório do comércio com a República Democrática do Congo.
[2] Obviamente, para além das políticas mais conhecidas de promoção do sector agrícola.

[3] Até que ponto as pessoas têm sido também afectadas pela poluição é algo que ninguém estuda e se pronuncia.

[4] Com objectivos recreativos e lúdicos.



[5] Este factor só pode ser considerado como limitativo quando combinado com os outros descritos aqui dado que o tamanho da embarcação entra na definição da escala de produção. Assim sendo, não pode ser, por si só, um factor explicativo de si mesmo.

[6] Diz-se que uma actividade económica apresenta deseconomias de escala quando um aumento do tamanho das unidades de produção resulta num aumento dos custos médios unitários, impedido assim, que se procedam a fusões ou aumentos na escala de produção.

[7] Este documento legislativo geria o sistema de licenças de pescas em Angola na segunda parte da década de 90 e nos primeiros anos do século 21. Assim sendo, e o que melhor explica o actual estado de coisas.