quarta-feira, 3 de junho de 2009

... AINDA SOBRE OS EFEITOS DA CRISE EM ANGOLA

Por: Emílio LONDA
(Este é um extracto do artigo “Anatomia da crise em Angola” divulgado em Abril de 2009 via e-mail)


Uma das características da crise presente crise é a relativa imprevisibilidade dos timmings de transmissão de efeitos, bem como dos timmings entre a adopção de uma política e os seus efeitos. Tudo o que os economistas podem dizer é o que vai acontecer, mas raramente conseguirão acertar quando lhes for perguntado, - Quando? Este é um exemplo de perguntas com meia resposta. Juntamente a estas pairam muitas perguntas sem respostas.

Apresentamos nesta secção algumas perguntas (ainda) sem respostas, relativas a Angola.

1. O combate a corrupção, a diminuição da burocracia e a dinamização do sector público não terão um maior impacto no combate a crise do que os apelos a diversificação da economia?

2. Como conseguir diversificar a economia num contexto de sobrevalorização do Kwanza?

3. Como conseguir diversificar a economia com as limitações da procura caracterizada por pelo facto da maior parte da população viver com menos de 2 dólares por dia?

4. Como o país pode manter as suas potencialidades de crescimento por formas que, logo que esteja passada a crise, possa alcançar uma trajectória de crescimento sustentável?

5. Como se comportará a “economia da subversão” durante a crise? Crescerá ou contrairá?

6. Como cada indivíduo, cada empresa e o país, como um todo, pode transformar esta crise em oportunidade e sair mais forte dela?

7. Como avaliar o real impácto da crise na economia doméstica sem um sistema estatístico eficiente?

8. Como incentivar a actividade económica face os constrangimentos tais como o congestionamento de Luanda e no Porto de Luanda?

9. Que lugar tem a produtividade na abordagem do Governo combate a crise?

Acreditamos que a validade de uma pergunta não está somente na justeza da sua resposta. As perguntas valem por si.

COMO DESVIAR ANGOLA DA “ROTA DA INSTABILIDADE”?

Por: Emílio LONDA


(Este é um extracto do artigo “Angola na Rota da Instabilidade” divulgado em Fevereiro de 2008 em www.caaei.org )



Angola realizou grandes feitos deste a sua constituição. Dentre estes realçam-se a independência, a conquista da paz e a efectivação da reconciliação nacional. A estabilidade económica surge num segundo plano entre os grandes feitos da nação angolana. Assim sendo, importa que se desvie o “avião da economia” da rota da instabilidade para uma mais estável e mais sustentável.

Seja quais venham a ser as opções dos pilotos do avião a operação de manobra terá que por uma profunda avaliação da situação. Durante este processo de avaliação deve-se levar a cabo estudos capazes de determinar a extensão da exposição de Angola face a crise mundial que se aproxima e capazes de determinar as melhores opções no novo quadro político e económico mundial que se desenha. Estes estudos devem lançar as bases para um projecto de desenvolvimento de longo prazo.

Os respectivos resultados devem ser discutidos a nível das universidades, dos ministérios e de outros organismos públicos ou civis. Os economistas conceituados do país deverão ter uma participação activa neste processo. Os académicos deverão aproveitar este momento raro da história económica para enriquecer as suas bibliotecas de “case studies”.

Um outro passo que merece consenso consiste na antecipação da revisão do OGE para 2008 visto que este assenta em pressupostos relativos ao comportamento da economia mundial ultrapassados deste Outubro de 2007 com o lançamento do Word Economic and Financial Surveys 2007.

O OGE para 2008 baseia-se nos seguintes pressupostos da economia mundial[1]:

1. A continuidade do ciclo de crescimento da economia mundial, com uma taxa e crescimento real estimada em cerca de 5,2 porcento, em 2008, não obstante a alta do preço de petróleo bruto e a crise no mercado imobiliário dos E.U.A. que ameaçou propagar-se pela economia
Mundial;

2. Nível de inflação mundial controlada, prevendo-se um nível anual de 2,1 porcento, nas economia avançadas, e 5,0 porcento, nas economias emergentes e em desenvolvimento;

3. Aumento dos preços de petróleo bruto no mercado internacional, em razão da limitada capacidade de produção face à demanda global que se mantém forte;

4. Forte crescimento do comércio mundial ao nível de cerca de 7,4 porcento;

5. Tendência para aumento ligeiro das taxas de juro para o Euro e o Yen, com as taxas de juro de curto prazo a atingirem, respectivamente, os níveis de 3,7 e 1,2 porcento;


Como já ficou claro, todos estes pressupostos relativos ao comportamento da economia mundial são hoje (Fevereiro de 2008) inconcebíveis e alguns mesmo, tal como o aumento da taxa de juros do euro, absurdos.

Acrescente-se que, até ao momento das eleições, será determinante a boa gestão das expectativas porque poderão ser determinantes na racionalidade ou irracionalidade na hora do gasto dos milhões e milhões de dólares que os diferentes agentes do processo terão disponíveis.

Estas são três acções que permitirão diminuir a intensidade da tempestade. No entanto, para colocar o avião numa rota de longo prazo sustentável (com menos riscos de queda), são necessárias mudanças estruturais mais profundas. Dentre estas destacam-se as seguintes:


a. Aceleração do processo de diversificação da economia. Deve-se aproveitar o facto das importações vindas da Europa e da Ásia estarem a tornar-se caras para impulsionar a produção interna. Os programas de reactivação dos parques industriais da Viana, da Catumbela e de Cabinda devem ser acelerados. A expansão do projecto Adeia-Nova também deve ser acelerada.

O processo de diversificação da economia deve dar prioridade os sectores trabalho intensivo para acelerar o combate ao desemprego[2]. Como resultado de um tal processo teremos uma economia menos exposta as crises económicas mundiais.

b. O modelo de crescimento actualmente seguido no país apresenta um desequilíbrio na importância dada entre a acumulação de capital físico e a acumulação de capital humano.

O problema económico é que, a partir de certo nível de capital acumulado, os acréscimos de capital não terão o efeito desejado (potencial) enquanto o factor trabalho não crescer (em termos qualitativos) na proporção necessária.

Do lado da procura, deve-se ter em atenção a necessidade de uma classe média com grande poder de compra para suportar o florescimento da indústria interna. A criação desta classe média deverá resultar de uma melhor redistribuição dos rendimentos sustentada por um aumento expressivo no nível de literacia do angolano.

Estudos demográficos e económicos da população e do seu papel no processo de desenvolvimento económico devem ser levados a cabo pelas instituições do governo, pelas universidades e pelos centros de estudos em continuidade de estudos como o do prof. Manuel José Zenha Rela (ANGOLA, o futuro já começou, 2005).

Num discurso proferido neste ano pelo vice-ministro do Planeamento, Pedro Luís Fonseca, declarou-se que o ritmo de crescimento devem ser acompanhadas por uma redução do crescimento demográfico para se poder reduzir a pobreza.

O aumento da população é um elemento crucial para o desenvolvimento sustentável de Angola. Não se deve confundir as causas da pobreza. O excesso populacional em Angola não é nem um facto muito menos a causas da pobreza. Esta está muito mais ligada a concentração de riqueza e má distribuição do rendimento além da muito baixa produtividade do trabalhador.

Angola é ainda um país desértico e não é mera coincidência o facto dos países emergentes terem todos uma populações acima dos 100 milhões de habitantes. A fórmula mágica destes países foi conseguir criar know-how no ceio de uma grande população que garantisse o factor trabalho e um vasto mercado interno.

O outro aspecto ligado a população são as gritantes assimetrias regionais. Do combate às assimetrias regionais estão dependentes a resolução de alguns problemas já apontados como de “impossível” solução como é o “caso Luanda”.

A sua compreensão deve ter como base as teorias de imigração do campo para a cidade (dentre as quais o modelo de Lewis é um grande expoentes), as teorias da economia regional além de teorias demográficas, sociológicas e jurídicas pertinentes.

A economia industrial é outro campo teórico que terá um papel crucial no solucionamento das assimetrias. E, como defende o prof. José Álves da Rocha, a disseminação das universidades por regiões definidas em função de critérios funcionais (precavendo a perca de qualidade) será um factor determinante no estanque na imigração do campo para a cidade dos mais jovens.

Ou seja, um crescente desequilíbrio entre capital físico/tecnológico versos capital humano e o crescimento exponencial da cidade de Luanda condicionarão todas as políticas públicas, sectoriais e empresariais e poderão precipitar o país para a crise económica.

c. O modelo de crescimento económico deve assentar num crescimento mais acelerado da oferta de energia com base num plano nacional para o sector eléctrico[3].

Do outro lado da Balança Energética, do lado do sector petrolífero, deve-se ser assumido um compromisso nacional no sentido de estabilizar a produção de petróleo nos 2 milhões de b/d, não mais do que isso, a fim de assegurar um maior rácio reservas/produção.

“A situação de hoje é o resultado de muitos anos de prevalência da economia do petróleo sobre o resto da economia: 94% das receitas de exportação, 70% das receitas fiscais do Estado, 57% de toda a actividade económica – no final dos anos 70 e durante os anos 80, esta preponderância chegou aos 65% - e menos de 1% de toda a força de trabalho empregada.” (prof. Alves da Rocha em Relatório Energia em Angola - Ucan, 2007).

d. Devem ser combatidos os monopólios em diversos sectores, em especial no sector da telefonia móvel, e a criação de entidades reguladoras dos sectores das utilidades (electricidade, água, gás e telecomunicações).

e. Deve-se, efectivamente, abandonar os subsídios aos combustíveis porque, por um lado, levam a um uso irracional por parte dos consumidores (papel de racionalização dos preços) e desincentiva a oferta deste produto no interior do país por agentes privados (papel de reafectação dos preços) e, por outro lado, aumentam as assimetrias de rendimento visto que o quantil da população angolana que possui automóveis é o quantil mais “rico”. A extensa população de Angola verdadeiramente pobre não possui automóveis e não tem sido beneficiada por este subsídio.

f. É urgente que se encontre formas de combater ao sub-emprego[4] no sector público e nas empresas públicas. É um perigo para a saúde económica do país quando a frequência com que se encontra na Sonangol muitos trabalhadores, incluindo licenciados, com muito pouco trabalho para executar.

É claro que um processo de modernização do sector público será doloroso. Mas já existem receitas pouco dolorosas. Portugal e outros países europeus podem servir de “case studies” por estarem a passar por um processo idêntico.

O facto é que o Estado não deve continuar a usar ineficientemente fundos para pagar salário a trabalhadores que acrescentam valor zero no PIB.

g. A saúde e a educação devem ser elevadas da escala de prioridades do Estado. Não basta que a percentagem sector social aumente no OGE. São necessárias programas articulados e sustentáveis que permitam elevar todos os indicadores do IDH.

Na perspectiva económica uma melhor saúde tem impacto directo na produtividade do trabalhador e nas decisões económicas de longo prazo. A medida que a esperança de vida a nascença aumenta, os agentes tendem a fazer investimentos financeiros e reais de maior duração e as instituições financeiras concedem mais facilmente empréstimos. Também existe uma maior acumulação de inventário intelectual na sociedade.

Uma melhoria no sistema educativo deve passar pela eliminação do fosso existente entre o ensino médio e o ensino superior em termos de qualidade a fim de alavancar o nível dos licenciados pelas nossas universidades.

É, no entanto, a realização de um estudo para avaliar o sucesso ou insucesso do actual programa de reforma educativa a fim de proceder os devidos ajustamentos.

É também urgente a banalização das tecnologias informáticas e o seguimento de um programa agressivo de ensino do inglês a partir do ensino secundário a terminar nas universidades para o aumento da competitividade internacional dos quadros angolanos.

h. Relativamente às finanças públicas, além de ser necessária uma diversificação da estrutura fiscal do Estado, é necessária uma melhor prestação nos actos de negociação das dívidas externas.

Por exemplo, os termos do empréstimo chinês desactivam completamente o mecanismo dos multiplicadores dos gastos públicos explicados em modelos básicos da macroeconomia keinesiana.

Nos termos deste contrato, as empresas que são estimuladas são as chinesas pelo que o efeito multiplicador das despesas (que justifica a intervenção estatal na economia) dá-se na China e não em Angola. Os salários não pagos aos angolanos que poderiam usar para estimular as nossa empresas e o mercado financeiro interno.

Estes elementos devem ser considerados como custo de oportunidade em qualquer análise custo/benefício do empréstimo chinês.

i. Se a protecção do meio ambiente não poder ainda constar nas prioridades de acções práticas, que se proteja pelo menos as populações dos efeitos nocivos da indústria petrolífera.

No município do Soyo, província do Zaire, os poços de petróleo da actividade em terra (on-shore) estão a escassos 5 metros das casas nas povoações do Pángala, Bairro Fina, e Bairro T.
Há três anos , uma fuga de gás nesta zona do Soyo causou vítimas mortais. Dias depois do incidente a TOTAL (operadora do bloco) desmentiu os factos. O Ministério do Ambiente abriu um inquérito que nunca produziu resultados.

No mesmo município, a fábrica de liquefacção de gás natural (ALNG) está sendo edificado a escassos 100 metros do bairro Kikala-Kiako situado entre a baixa da cidade e a base petrolífera do Kwanda.

A saúde neste município é péssima e as pessoas morrem até de simples dor de cabeça. No hospital municipal falta a simples paracetamol. Os cajueiros já não dão frutos, os coqueiros secaram. Já não se faz praia porque a única praia segura do município foi coberta pelo gasóleo.

Nunca foram levados a cabo estudos na região no sentido de determinar os níveis de poluição. Os únicos estudos próximos foram levados a cabo com o fim de viabilizar o projecto ALNG, o ESHIA[5].

j. Os problemas sociais como a criminalidade e a prostituição devem ser atacados nas suas causas. Soluções adversas (e desumanas) no combate a um crime que tem origens em causas económicas/sociais bem identificadas levaram ao surgimento em Luanda de crimes brutais nunca antes vistos.


Angola voa na rota da instabilidade, mas é ainda possível desviar a trajectória, fugir da tempestade para estabilizar o vou numa trajectória de longo prazo onde voemos de forma sustentável, ainda que mais baixinho. Tudo depende da nossa boa vontade da dimensão do SONHO ANGOLANO!

[1] www.minfin.gv.ao
[2] A taxa de desemprego se mantém acima dos 30%, principalmente em resultado das características tecnológicas da indústria petrolífera, capital intensivo. A agravar a elevadíssima taxa de desemprego de Angola, está a elevada proporção de trabalhadores que recebe o salário mínimo de 60 dólares mês, valor insuficiente para a aquisição da cesta básica no PRESILD.
[3] Segundo um relatório da Agência Internacional sobre energia em Angola, apenas 20% da população angolana tem acesso a energia eléctrica.
[4] Sub-emprego é o nome que se dá quando um sistema económico está a operar com mais mão-de-obra do que preciso de tal forma que a diminuição de uma unidade de trabalho não aumente o produto marginal do trabalho.
[5] www.angolalng.com

terça-feira, 2 de junho de 2009

ANGOLA: CANAIS DE TRANSMISSÃO DA CRISE (1ª edição)

Por: Emílio LONDA


(Este é um extracto do artigo “Angola na Rota da Instabilidade” divulgado em Fevereiro de 2008 em www.caaei.org )



(Depois de uma breve caracterização da crise económica mundial) voltemos agora a nossa questão inicial: por que canais Angola será atingida pela referida crise?

Angola é um dos países que mais cresce a nível do planeta. É um dos países responsável pelas altas taxas de crescimentos que a África subsariana vem apresentando nos últimos anos. As causas deste crescimento expressivo podem ser resumidas em três grupos:


1. DIVIDENDOS DA PAZ: as mudanças nas expectativas dos investidores, a mudança nas expectativas dos consumidores, o aumento na produtividade dos trabalhadores, o restabelecimento das trocas comercias inter-provinciais, etc;

2. CRESCIMENTO EXPRESSIVO DAS RECEITAS PETROLÍFERAS; e

3. ALTOS NÍVEIS DE INFLUXOS DE CAPITAL: investimento directo estrangeiro e dívida externa.


Dentre estes grupos de factores o segunda, receitas petrolíferas, tem um maior poder explicativo do crescimento de Angola. Por sua vez, o aumento expressivo das receitas petrolíferas é explicado pelo crescimento da produção[1] e pelo aumento do preço do petróleo nos mercados mundiais. De entre as teorias que visam explicar a subida do preço do petróleo, a que mais reúne consenso é o emergir de uma classe média altamente consumidora nos países emergentes. Um factor residual que explica o aumento das receitas petrolíferas é a melhoria significativa no controlo e na gestão destes recursos em comparação aos anos anteriores a 2002.

O primeiro canal através do qual Angola será atingida pela crise económica mundial é o preço do petróleo. Sendo certo que a procura deste commoditie irá contrair-se em resultado de uma menor actividade económica nas grandes economias, deduz-se que o seu preço irá inevitavelmente sofrer uma redução. Como consequência as economias exportadoras de petróleo verão as suas receitas diminuírem significativamente.

Segundo o comentário de um analista da Edwards & Sons à Bloomberg[2], “os preços do petróleo poderão descer mais um pouco nos primeiro e segundo trimestres (deste ano), à medida que a economia for desacelerando e os inventários de crude aumentando”. Notemos ainda que os EUA e a Europa consomem 36% do petróleo mundial.

No caso particular de Angola, o PIB petrolífero correspondeu a 57,12% do PIB total em 2006 ( www.minfin.gv.ao) e as exportações de petróleo representaram 75% das exportações totais.

O quadro a seguir mostra que entre os países da África subsariana exportadores de petróleo Angola é o que mais depende do petróleo.





Os dados precedentes deixam claro que o impacto de uma crise mundial na economia de Angola é significativo e não deve ser ignorado.

Refira-se também que a partir deste ano as vendas de Angola no mercado mundial estarão sujeitas a quotas determinadas pela OPEP.

O segundo canal através do qual Angola será atingida pela crise económica mundial é a taxa de câmbio. Dediquemos algumas linhas a compreensão deste canal.

Um dos maiores feitos da equipa económica de Angola é a estabilização dos preços através de uma intervenção permanente no mercado primário de câmbio. A política usada recebe o nome de esterilização “ex-ante” e tem como principal ferramenta a compra e venda de qualquer divisas (dólares) a preços anunciados. A suportarem esta política estão grandes quantidades de dólares que o governo obtém, principalmente, com a venda do petróleo.

Através desta política a equipe económica do governo tem controlado a taxa de câmbio fixando-a em torno dos 80 Kz/Usd há cerca de 3 anos. Na lista dos efeitos positivos da fixação da taxa de câmbio está o facto de, através dela, se conseguir estabilizar os preços. As evidências empíricas apontam no sentido de ter existido uma forte correlação entre as variações cambiais e as variações nos preços antes de 2002. O controlo dos preços é também conseguido pela política monetária seguida através da “esterilização ex-ante” e das operações de mercado aberto realizadas pelo Banco Nacional de Angola. Por outro lado, um kwanza valorizado é sinónimo de importações mais baratas.

Na lista dos efeitos negativos destaca-se o facto da sobrevalorização do kwanza diminuir a competitividade dos produtos internos. Efeitos perversos no desenvolvimento industrial interno e no processo de diversificação da economia são várias vezes acusados pela Associação Industrial de Angola (AIA). O segundo aspecto negativo desta política tem a ver com os altos custos que implica aos cofres do Estado. Assim, qualquer referência aos benefícios da estabilização dos preços deve ter em consideração os custos por detrás da mesma.

Quando esta política começou a ser aplicada, em 2002-2003, vários economistas conceituados de Angola chamaram a atenção ao carácter insustentável da mesma. No entanto, os anos passaram e a ela sobreviveu.

Como a crise económica mundial de 2008, fica comprometida a principal base de sustento da política de estabilização macroeconómica, nomeadamente, as reservas em divisas provenientes da actividade petrolífera.

Segundo o Relatório de Fundamentação do OGE para 2008, prevê-se que neste ano se exportem 710,6 milhões de barris que, a serem vendidos a um preço médio de 55,00 dólares por barril[3], resultará numa receita igual a 39,083 mil milhões de dólares. Em 2007 as receitas provenientes da exportação de petróleo foram de 40,416 mil milhões de dólares resultantes de uma quantidade de 626,6 milhões de barris vendidos a um preço médio de 64,5 dólares por barril.

Uma significativa redução nas reservas em dólares obrigará o governo a diminuir (senão desistir) a intervenção no mercado cambial. A acontecer, a taxa de cambia se irá alterar em direcção a taxa de mercado que é de facto caracterizado por um kwanza muito desvalorizado.

As consequências imediatas serão um significativo encarecimento dos bens e serviços que resultará numa maior inflação. O spread entre a taxa oficial e a paralela aumentará bem como o intervalo de variação. Em resultado teríamos uma maior instabilidade económica.

O risco de inflação é reforçado pelo facto de 2008 ser um ano de eleições no qual se prevê significativos aumentos nos gastos públicos e no consumo privado. Este aumento na procura constituirá uma grande pressão sobre os preços.

O terceiro canal a considerar é o da inflação importada. Vejamos: os EUA e a Europa estão a enfrentar níveis altos de inflação como resultado do encarecimento das principais matérias-primas. Para impulsionar a actividade económica, estas economias terão que baixar as taxas de juro significativamente que por sua vez resultará numa maior inflação. Sendo Angola um país fortemente importador, apesar do superávit da Balança de Pagamentos, é fácil concluir que as altas inflacionárias se vão repercutir neste país, facto que requerer uma intervenção mais agressiva nos mercados monetário e cambial.

O encarecimento das importações vai também resultar da depreciação do USD face ao EUR e ao YENE.

Dados os volumes de importação de bens e serviços da Europa (destacando as importações da indústria petrolífera, de serviços financeiros e de turismo) e da Ásia[4], considerando ainda que a nossa economia está “indexada” ao dólar, mostra-se evidente que uma crescente desvalorização do dólar perante o EUR e o YENE resulta num encarecimento das importações de Angola.

Ao terminar a referência aos canais de transmissão da crise importa referir que esta exposição ao risco teria sido significativamente menor se o governo tivesse sido capaz de traduzir os dividendos do petróleo em outras competências para o país. Os apelos no sentido “colocar os ovos em cestas diferentes” e aumento do mercado interno através do aumento do poder de compra das populações não foram ouvidos (pelo menos não foram conseguidos). Hoje o país está indubitavelmente na rota da instabilidade. Teremos que ser capazes de desviar a rota do avião.
[1] O “boom!” na produção é tão significante que, enquanto foi necessário meio século para atingir a marca de 1 000 000 barris por dia (b/d) para dobrar a produção, de 1 000 000 b/d para 2 000 000 b/d, serão apenas necessários 4 anos, de 2004 para 2008.
[2] www.bloomberg.com
[3] A persistência do governo em usar preços tão reservistas, mesmo considerando as características das ramas angolanas em relação ao Brent, reforça os argumentos de falta de clareza na gestão dos recursos públicos.
[4] Algumas das mais importantes importações de Angola da Ásia, em particular, da Singapura, são os FPSO’s (navios de exploração, armazenamento e transporte de combustível) usados nos novos desenvolvimentos da indústria petrolífera. Para um conhecimento detalhado dos novos desenvolvimentos nesta indústria ver o capítulo de José Oliveira no Relatório sobre Energia em Angola da Universidade Católica de Angola de 2007

ANGOLA: A MEDIÇÃO DO IMPÁCTO DA CRISE

Por: Emílio LONDA

(Este é um extracto do artigo “Angola na Rota da Instabilidade” divulgado em Fevereiro de 2008 em http://www.caaei.org/ )



Dadas as evidências da crise, importa medi-la.

Para a medição da crise que se avizinha não deverão ser usados indicadores agregados como por exemplo, o PIB por pessoa. A utilização deste indicador só servirá para esconder as reais dimensões da mesma. De maior utilidade serão os indicadores de assimetrias de nível microeconómicos (embora ainda raros nos actuais estudos).

Para uma análise de maior alcance mostra-se necessário construir e acompanhar o comportamento de indicadores de qualidade de vida, indicadores de termos de troca, indicadores de concentração de riqueza e poder de compra, indicadores mais abrangentes dos níveis de preços[1] e indicadores de confiança económica dos consumidores e dos produtores.

Para uma melhor gestão macroeconómica de longo prazo é ainda necessário que se construa/adapte/aplique, para além dos já referidos, indicadores de sustentabilidade económica, indicadores da estrutura fiscal e do peso do Estado na economia, indicadores de produtividade, indicadores de diversificação económica, indicadores de diversificação de destinos das exportações, indicadores de níveis de educação e saúde, indicadores de qualidade de ambiente e do impacto económico das calamidades naturais, indicadores do impacto económico da malária e do AIDS, indicadores das assimetrias demográficas, da estrutura etária e suas tendências, indicadores energéticos e industriais, etc.

Em conclusão, “(…) há que ficarmos mais atentos. De modo algum devemos pensar que o que se passa lá fora não terá implicações sobre nós. Será uma perigosa ilusão.” (prof. Justino Pinto de Andrade em A Capita, Fev. 2008, nº 289).

[1] As restrições espaciais do IPC mostram-se cada vez mais injustificáveis.