terça-feira, 13 de setembro de 2011

Importância Estratégica do Mercado de Capitais para Angola ( entrevista com Emílio Londa)


Por: Emílio Londa



O progresso económico e sustentável de um país dependem, entre outros factores, da existência de um mercado de capitais com capacidade para financiá-la. O financiamento por meio deste mercado constitui uma das formas mais eficientes de financiar os projectos de investimento. Ao viabililizar investimentos, o mercado de capitais estimula a inovação, principal motor de crescimento económico sustentável.

Com a finalidade esclarecer algumas questões inerentes ao mercado de capitais, sua caracterização e importância para a economia angolana e analisar algumas políticas adoptadas com a finalidade de melhorar o funcionamento do mesmo, publicamos este artigo, apresentado sob a forma de uma entrevista feita por um aluno, sendo o entrevistado o professor Emílio Londa.


A: Boa tarde Senhor Professor. Como caracteriza o mercado de capitais no país?

EL:
O mercado de capitais pode ser visto como um mecanismo que permite às pessoas comprar e vender instrumentos financeiros de longo prazo. Estes instrumentos podem ser títulos primários (acções, obrigações das empresas e obrigações do tesouro) ou títulos derivados (opções, futuros, swaps, etc). Assim, nestes termos, afirmo que o mercado de capitais é ainda incipiente no nosso país.

Para além do capital dos sócios, dos empréstimos a prazo que as empresas e o Governo contraem do sistema bancário não se conhecem outras formas de financiamento. No entanto, o sistema bancário, dados os baixos níveis de concorrência, as baixas taxas de captação de depósitos e de captação de empréstimos e ainda o elevado risco país (que poderá ser reduzido a medida que se reduzir os riscos de incobrabilidade) pratica elevadas taxas de juros activas, o que o torna numa opção pouco atractiva para os investidores.


A: Em que medida o mercado de capitais pode ajudar Angola no que tange a consolidação da sua economia?
EL:
Na medida em que permite canalizar recursos ociosos da economia para aqueles que o podem aplicar de forma empreendedora, o mercado de capitais aumenta o volume de investimento da economia e, por esta via, eleva o potencial de crescimento.

Para que Angola tenha uma economia forte condição necessária que o sector privado seja robusto, o que só é possível com um mercado de capitais eficiente. Refere-se mesmo que todos os milagres económicos da história económica recente estiveram ligados a um desenvolvimento significativo dos respectivos sistemas financeiros. Podemos incluir neste grupo de milagres a Revolução Industrial.

A: Tendo em conta os modelos e preceitos económicos, acha que o mercado de capitais vai contribuir na diversificação das modalidades de financiamento da economia angolana? E aumentar o grau de transparência do funcionamento das empresas públicas e privadas?

EL:
Por definição mercado de capitais constitui um mecanismo através do qual as empresas podem financiar a sua actividade. Só por isso, os mesmos contribuem para a diversificação das modalidades de financiamento de qualquer economia.
Uma característica que diferencia os mercados de capital e o mercado bancário é o grau de transparência necessária.

A quantidade e diversidade de credores que participam no mercado de capitais leva a que as empresas tenham que publicar inúmeros detalhes económicos e financeiros ligados a sua actividades o que, certamente, permite a banalização da cultura da transparência e prestação de contas na economia. As empresas com más práticas contabilísticas são punidas por via das cotações dos respectivos títulos e as que apresentam boas práticas, são premiadas.


A: Como é que os Bancos Centrais podem equilibrar a procura e a oferta de divisas no mercado de capitais de modos a não causar embaraço na economia?

EL:
Importa, antes de mais, dizer que o mercado cambial não deve ser confundido com o mercado financeiro. No primeiro transacciona-se divisas, enquanto, no segundo, transacciona-se capitais. Contudo, a engenharia financeira levou a que do mercado cambial surgissem activos derivados transaccionados no mercado de capitais, daí, o mercado cambial ser considerado como parte integrante do mercado financeiro.

Feito este enquadramento diria que devemos começar por conceber a situação ideal. Para mim, a situação ideial é aquela em que o valor da nossa moeda é tal que não diminua a competitividade da economia, mas que, por outro lado, permita a realização de importações daqueles produtos relativamente aos quais não temos vantagens comparativas na produção e de importações de factores necessários para a produção dos demais produtos.

Acontece que a intensificação das trocas comerciais mundiais acompanhadas pela globalização fez com que a taxa de câmbio passasse a ser mais determinante no progresso das economias, de tal forma que pode ser mesmo considerada como a nova variável estratégica para os países e blocos económicos.

No contexto actual em que as economias estão a disputar espaços no mercado global através do aumento da produtividade dos factores combinada com desvalorização das respectivas moedas, Angola tem a infelicidade de ter uma situação de partida caracterizada por uma indústria desestruturada combinada com a predominância de um sector com elevada competitividade internacional como é o caso do sector petrolífero. Como consequência, o sector petrolífero transmite de forma fictícia a sua competitividade para o resto da economia através da valorização da moeda local, de tal forma que a economia não petrolífera enfrenta uma taxa de câmbio que não corresponde ao seu estágio real de competitividade, o que funciona como um constrangimento a estruturação e fortalecimento da “indústria nascente”.

Esta situação consubstancia um problema a resolver. Como transferir as receitas do sector petrolífero para o não petrolífero sem diminuir a competitividade desta última?

Para mim a resposta é clara: através de dois compromissos. Um primeiro ligado ao tipo de despesas que deve ser realizado com as receitas petrolíferas e, um segundo ligado a quantidade de divisas que deve ser passada para a economia.

Para que os benefícios advindos das despesas realizadas com as receitas do sector petrolífero compensem os respectivos custos (inflação induzida pelo défice não petrolífero e perca de competitividade induzida pela valorização da moeda local) é necessário que as despesas consistam, exclusivamente, em investimentos indutores de aumentos de produtividade.
Para que a perca de competitividade do sector não petrolífero seja minimizada ao necessário, é preciso que a venda de divisas seja restrita para fins de importação nas quantidades necessárias, dado os princípios das desvantagens comparativas e da necessidade de importação de factores de produção, e para fins de monitoria da taxa de câmbio para que não se verifiquem desvalorizações brutais. Nos casos em que se julgue necessário retirar liquidez do mercado devem ser utilizados outros instrumentos de política monetária tal como a colocação de títulos do tesouro.

Esta é a minha visão relativamente aos princípios que deve reger as intervenções do Banco Central no mercado cambial numa economia como a nossa.


A: O BNA com vista a controlar a procura de divisas na economia, procedeu, em Janeiro último, a venda, no mercado cambial interbancário, um montante de 1.289,1 milhões de dólares. O que acha desse valor? Será que satisfaz o mercado? É um valor considerável para uma economia como a nossa?

EL:
A política monetária deve ser vista não só como instrumento de estabilização do mercado cambial, mas também, como um instrumento de importante na política de industrialização do país, tal como fica claro da minha exposição na questão anterior. Assim, o montante de dólares colocado na economia deve ser tal que não valorize a moeda local ao ponto dos produtos transaccionáveis locais percam competitividade internamente, quando comparados com os produtos importáveis. A teoria segundo a qual “não há indústria interna para proteger” que tem sido defendida por muitos economistas é falaciosa na medida em que, a) existe uma indústria nascente no país (independentemente das debilidades que podem ser apontadas); b) a própria política monetária, se for excessivamente contra-inflaccionaista, pode funcionar como entrave para o florescimento desta indústria.

Concluo dizendo que, se o objectivo for manter constante a taxa de câmbio, talvés aquele valor seja suficiente; mas, se o objectivo for o aumento da competitividade da economia angolana, a análise da justeza daquele valor deve ser mais profunda.

A: Em sua opinião, quais são as politicas que o Banco Central, como entidade reguladora deve implementar para reduzir a taxa de inflação e mantê-la em niveis saudáveis?

EL:
Relativamente à problemática da inflação, chamo a atenção para aquilo a que chamo “dilema essencial da política económica angolana” que é a superação da relação inversa que existe entre o controlo da inflação (através da minimização da expansão dos meios de pagamento ou da reorientação da procura para os mercados externos, por via da valorização do Kwanza) e o aumento do emprego. Esta relação, conhecida em economia como Curva de Philips, é uma evidência em Angola, sendo efectivada através de vários canais.

O Banco Central, não obstante ser o responsável último pela manutenção do valor da moeda (minimização da inflação), não tem o domínio total sobre as variáveis que fundamentam a manutenção da inflação nos dois dígitos. Se por um lado a oferta monetária pode justificar o aumento no nível geral de preços (e aqui, se considerarmos que o dólar também desempenha funções de moeda de troca em Angola concluiremos que os meios de pagamento têm sofrido uma significativa expansão), por outro lado, variáveis fiscais como o saldo não petrolífero e estruturais como a manutenção de uma diferença positiva entre a taxa de crescimento da procura interna e da oferta interna (incluindo as importações) são fundamentais na explicação da persistência da elevada inflação.

Contudo, no que consiste aos instrumentos em posse do Banco Central a inflação pode ser minimizada através da utilização de instrumentos que ofereçam maior eficiência a gestão fina da liquidez. O combate da inflação a prazo deve ser conseguido através de uma política de desvalorização controlada da moeda local que funcione como instrumento de incentivo a produção interna. Tal política deve ser acompanhada por programas que maximizem os processos de aprendizagem produtiva e de monitoria dos ganhos em termos de valor acrescentado, de tal forma que a fase de transição, caracterizada por um incremento nos custos, seja rápida.

Em resumo, a inflação deve ser combatida com base numa gestão fina da liquidez combinada com um forte investimento na produtividade.Os ganhos de produtividade podem ser possíveis não só no longo prazo como também no curto prazo, através de reorganização dos processos, simplificação de processos burocráticos, campanhas de valorização do trabalho, valorização da excelência, minimização do tráfico nas estradas, bem como através de investimento no ensino de excelência. Esta é a única via que permite realizar economias de custo ao mesmo tempo em que se expande a oferta.


A: Que tipos de politicas é que os bancos comerciais deveriam ou devem adoptar para tornar o mercado financeiro com maior mobilidade de capitais?

EL:
A transformação de depósitos em crédito está dependente da atractividade relativa dos títulos financeiros disponíveis no mercado. Assim, a opção de concepção de crédito deve ser mais atractiva do que a opção de aumento da carteira de títulos para que os bancos comerciais decidam pela segunda.

As elevadas taxas de incumprimento e de falência das novas empresas elevam o risco de concepção de crédito para os Bancos. Assim, no que compete aos bancos comerciais, é desejável o desenvolvimento de serviços de supervisão à implementação de projectos dos clientes que garantam a viabilidade dos mesmos.

No que concerne à captação de financiamento para o Sistema Bancário receio que o aumento da taxa de bancarização já não seja a solução. Recentemente o BNA negociou, com sucesso, a redução do capital mínimo necessário para a abertura de uma conta bancária, passando de cem para um dólar americano. Certamente que esta política poderá aumentar o número de clientes da banca, no entanto, não o número de clientes poupadores.

Comparando as estruturas de rendimento e despesas de uma pessoa que só abririam uma conta bancária ao custo de um dólar concluímos que esta classe de clientes, em termos líquidos, não acrescerá poupanças ao sistema bancário. No entanto, os ganhos a prazo desta politica, principalmente no que consiste a aumento da profundidade do sistema e do desenvolvimento de uma cultura financeira, são significativos.

Relativamente ao que está no controlo dos bancos comerciais resta referir a melhoria dos timmings de atendimento nos balcões e o aumento das taxas de juros passivas, enquanto instrumento de aumento da taxa de poupança das classes média e alta.


A: Voltando ao tema da inflação: até que ponto é que as politicas de microcredito dos bancos comerciais podem contribuir para a redução da taxa de inflação?

EL
: Na medida em que incentivem a produção interna e permitem substituir alguma classe de importações. É importante lembrar que as causas da inflação são os altos custos de colocação dos produtos importados, que ainda assim ganham competitividade devido a muito baixa produção interna e a política cambial vigente a muitos anos, bem como o aumento da população residente em Angola e a mudança nos hábitos de consumo.




A: Por hoje é tudo. Queira aceitar, por favor, os meus votos de um fim-de-semana agradável.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Importância Económica da Feira Internacional de Luanda

Por: Emílio Londa
(Artigo Publicado no Jornal de Angola, em Julho de 2011)

A maior parte das escolas de pensamento económico modernas concordam que os mercados são a melhor forma de organizar a actividade económica dado que os resultados obtidos são óptimos do ponto de vista da alocação dos recursos e da maximização do bem-estar social .

No entanto, a organização da actividade económica, através dos mercados assume determinados pressupostos, sem os quais, os resultados obtidos são sub-óptimos. Um dos pressupostos mais importantes diz que todos os agentes têm igual acesso a informação.

O que se verifica na prática das economias é justamente o contrário. Razões imputáveis e não imputáveis à vontade dos agentes económicos, como a inexistência de agências de informação ou em situações de custos proibitivos de acesso a informação, levam a que as assimetrias de informação sejam significativas, levando à má alocação dos recursos disponíveis.

As diversas economias desenvolvem ou adaptam diferentes mecanismos para a minimização dos problemas de assimetria de informação. Em Angola, um dos mecanismos mais importantes que tem sido usado é a realização periódica de Feiras temáticas ou generalistas que junta vários stackholders, cujo evento mais importante é, sem sombra de dúvidas, a Feira Internacional de Luanda (FIL).

A FIL, a exemplo dos fóruns económicos, permite aproximar agentes económicos que operam em vários sectores ou em diferentes segmentos do mesmo sector que, de outra forma, não seria possível. A este nível, podem fazer excelentes contratos através da comparação da qualidade e dos preços praticados por diferentes fornecedores. É também possível ter um conhecimento mais aprofundado da concorrência, tanto a efectiva como a potencial.

A nível macroeconómico, a FIL, ao reduzir as incertezas relativamente ao mercado, dado o nível de rendibilidade, atrai mais investimentos, aumenta a actividade económica, resultando em mais emprego e bem-estar. Por outro lado, uma maior actividade económica resultante do aumento da produtividade (por via do aumento da competitividade) diminui os custos médios, traduzindo-se na diminuição dos preços.

Ao estar aberta a países de diferentes estágios de desenvolvimento, a FIL permite medir periodicamente o gap tecnológico de Angola, levando ao desenvolvimento de políticas, novas formas organizacionais, e a adopção de tecnologias que permitam obter melhores soluções num contexto económico cada vez mais globalizado. A FIL permite ainda consolidar a imagem de Angola enquanto mercado de elevada potencialidade e aberto a novas e grandes parcerias.