sábado, 29 de novembro de 2008

O QUE É O INDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO?

Por: Emílio LONDA

A Liberdade tem para mostrar vários encantos,
Que os escravos, ainda que contentes, nunca saberão

(Sen, Desenvolvimento como Liberdade)

A maior parte dos relatórios, comunicações e intervenções sobre o desenvolvimento de Angola referem que, não obstante as consideráveis taxas de crescimento económico que Angola vem registando nos últimos anos, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) deste país permanece num nível muito baixo. Segundo as pessoas que realçam este aspecto, o país precisa evidenciar esforços no sentido de traduzir os proveitos do crescimento económico em bem estar humano.

Por outro lado, poucos são os textos que abordam este indicador na sua dimensão conceptual e metodológica. Como consequência, não tem havido uma correcta interpretação do mesmo em prejuízo do processo de tomada de decisão da parte dos decisores públicos e outros interventores sociais. É pensando nesta falta que procurarei responder a pergunta do título: O que é o Índice de Desenvolvimento Humano?

Antes, porém, de concentrar a nossa análise no IDH, respondamos a uma questão logicamente anterior: O que é o Desenvolvimento Humano?

i) IDH: Um conceito centrado na pessoa
Desenvolvimento Humano é definido pelo economista indiano Nobel de Economia, Amartya Sen[1] (1989), como sendo “o processo de expansão das escolhas dos indivíduos – em outras palavras, funcionamentos e capacidade para funcionar, tudo aquilo que a pessoa pode fazer e ser na sua vida[2]”.

Assim sendo “o objectivo do desenvolvimento é melhorar as vidas humanas o que significa expandir as possibilidades de ser e de fazer do individuo (funcionamentos e capacidade de funcionar, tais como saudável, e bem nutrido, ter conhecimento, participar na vida da comunidade). Desenvolvimento significa remover os obstáculos para fazer aquilo que uma pessoa pode fazer na vida, tais como analfabetismo, falta de saúde, impossibilidade de acesso aos recursos, ou ausência de liberdades civis e políticas” (Sakiko Fukunda, 2002).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um número que mede as realizações, em termos médios, de um país em três dimensões básicas das capacidades humanas: uma vida longa e saudável, conhecimentos e um nível de vida decente. É calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) desde 1990 e é inspirada numa nova abordagem sobre desenvolvimento, a Abordagem de Desenvolvimento Humano (em alternativa ao Enfoque das Necessidades Básicas e ao Enfoque Neoclássico – baseado no conceito utilitário do bem-estar), e apoia-se nos trabalhos de Amartya Sen sobre capacidades e desenvolvimento. No essencial, o IDH é um modelo de medição do nível de desenvolvimento de um país ou região.


Ao criar o Relatório de Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Hal[3] tinha como objectivo explícito alterar o foco da economia do desenvolvimento da contabilidade nacional para políticas centradas na pessoa.


Dado o facto do conceito de Desenvolvimento Humano ser mais amplo do que aquilo que o IDH é capaz de medir, o Gabinete do Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD tem desenvolvido outros índices que procuram medir outras dimensões do desenvolvimento humano. Estes são o Índice de pobreza Humano (HPI-1 e HPI-2), o Índice de Desenvolvimento Relativo ao Género (GDI) e a Medida do Poder do Género (GEM).

ii) Interpretando o IDH


Visto o conceito de desenvolvimento humano e de IDH, caminhemos agora para o “interior” do IDH. O objectivo desta incursão será explicar algumas críticas ao IDH o que nos ajudará a melhor interpretar este indicador de desenvolvimento.


O IDH é um índice compósito. Isto significa que é constituído por outros índices que são: o índice de esperança de vida (IEV), o índice de educação (IE) e o índice do PIB (IPIB). No cálculo do IDH cada um destes índices recebe um peso de 1/3.


IDH = (IEV) *(1/3) +(IE) *(1/3) +(IPIB) *(1/3)


Aqui reside a primeira grande crítica ao IDH. A ponderação usada reflecte o peso real de cada uma destas dimensões no desenvolvimento humano? Em outros termos: será que a educação e a saúde têm o mesmo peso no desenvolvimento humano? E será que a saúde tem o mesmo peso que o PIB por pessoa? Será que pesos iguais de um terço e o ideal?


Estas perguntas têm se mostrado de difícil resposta e susceptíveis de causar um debate rico em subjectividade. Por esta razão, a maior parte dos economistas prefere passar ao lado deste problema e aceitar o critério de ponderação usado no cálculo do IDH. Façamos o mesmo e esquivemos esta questão.


Antes de abordar a próxima crítica ao IDH lembremos que por trás de cada índice que compõe o IDH existe um indicador e, relacionado a este, existe uma dimensão. O IEV reflecte o indicador Esperança de Vida à Nascença que mede, por sua vez, a dimensão Uma Vida Longa e Saudável. O IPIB reflecte o indicador PIB por pessoa (medido usando o modelo da Paridade do Poder de Compra em dólares americanos, PPP US$) que mede a dimensão Um Nível de Vida Decente. Particularmente, o IE é em si mesmo um índice composto por dois outros índices: o Índice de Literacia Adulta (taxa de alfabetização considerando pessoas acima dos 15 anos de idade) com ponderação de dois terços e o GER (Gross enrolment ratio) Index (somatório das pessoa, independentemente da idade, que frequentam algum curso, dividido pelo total de pessoas com idade entre os 7 e os 22 anos[4]) com a ponderação de um terço. O primeiro reflecte o indicador Taxa de Literacia Adulta enquanto o segundo reflecte o indicador “Gross Enrolment Ratio”. Estes dois indicadores medem a dimensão Conhecimento.


Passemos agora para uma questão ligada ao alcance do IDH. Porque o IDH não mede o Desenvolvimento Humano na sua plenitude?


Primeiro, porque as dimensões do desenvolvimento humano, tal como definidos por Amarthya Sen no best seller “Liberdade como Desenvolvimento”, não podem ser resumidas pelas três dimensões presentes no IDH[5] visto que as capacidades humanas são infinitas. Por exemplo, o IDH não inclui a capacidade de escolher os líderes políticos, de expressar livremente as opiniões, a capacidade de viver num ambiente despoluído, a capacidade de escolher o emprego do nosso agrado ou, a capacidade de escolher os alimentos que quer consumir. Tal como definido, o IDH mede apenas o progresso social e o crescimento económico “equitativo” e pouco diz sobre as instituições políticas e os processos.

Segundo, porque os indicadores usados não conseguem medir fielmente as respectivas dimensões. Por exemplo, relativamente a Longevidade, podemos afirmar que alguém que vivera 95 anos tenha tido, necessariamente, uma vida mais saudável que uma outra pessoa que vivera 75 anos? A resposta é “não”. No entanto, podemos aceitar a ideia de existir uma correlação forte, quando consideramos grandes grupos de pessoas, entre uma vida longa e uma vida saudável. Ou seja, podemos aceitar com facilidade a ideia de que se a esperança de vida a nascença de um país for de 80 anos, as pessoas deste país têm, em média, uma vida mais saudável que de um outro país cuja esperança de vida a nascença seja de 45 anos.


Quanto ao PIB por pessoa, podemos aceitar que um valor alto significa um melhor nível de vida? A resposta é “não” mesmo quando consideramos grandes grupos de pessoas. Embora a teoria económica aceite que aumentos do PIB por pessoa são potencialmente causadores de melhorias no nível de vida, estudos de casos mostram serem vários os países em que esta relação não se verifica em resultado do facto de apresentarem altos níveis de concentração de rendimentos. Em países como o Brasil, a China, o México e Angola, aumentos no PIB por pessoa raramente reflectiram melhorias no nível de vida geral do país. Em alguns casos, verificou-se mesmo uma relação inversa. Sendo assim, seria oportuno incluir um indicador da distribuição do rendimento (ou da riqueza, admitindo uma correlação entre estes) na medição da dimensão Um Nível de Vida Decente.


No caso da Educação podem ser colocadas questões relativas a abrangências dos indicadores usados.


Posto isso, realço que na interpretação do IDH deve-se ter em atenção os seguintes aspectos:


- O que o IDH procura medir e qual o seu alcance neste desiderato?


- O IDH pressupõe que uma vida longa significa também uma vida saudável;


- O IDH pressupõe que os rendimentos estão igualmente distribuídos pelo que o PIB por pessoa reflecte o nível de vida geral;


- As três dimensões do IDH são igualmente ponderadas.



Mapa-Múndi do IDH



Fonte: wikipédia. Março 2008

Indo mais para dentro da metodologia do cálculo do IDH confrontamo-nos com novas questões que devem ser tidas em conta na interpretação do IDH de um país ou região, bem como do seu lugar num ranking.


Sabemos que o IDH é um número que varia entre 0 (desenvolvimento humano nulo) e 1 (desenvolvimento humano máximo). Após o cálculo deste para vários países[6], estes são classificados por ordem decrescente do valor do IDH. Depois os países são distribuídos em três grupos:

- Países de Desenvolvimento Elevado: 1≤IDH<0,799>

- Países de Desenvolvimento Médio: 0,799≤IDH<0,499
- Países de Desenvolvimento Baixo: 0,499 ≥ IDH

No entanto, os limites desta distribuição são meramente convencionais pelo que a passagem de um grupo para outro deve ser interpretado tendo presente o carácter convencional destes limites. Esta é o primeiro aspecto.

Num momento anterior à classificação dos países nestes três grupos, exactamente no momento do cálculo dos índices, é estabelecida uma relação de grandeza entre estes e os indicadores. É escolhido um valor máximo do indicador que corresponda ao valor do índice igual a 1 e outro, mínimo, que corresponde ao 0. Assim sendo, o valor do IDH perde significado per si porque depende dos valores máximo e mínimo do indicador que são estabelecidos por convenção. O que não perde significado é o rank do país na lista dos países analisados dado que aos referidos limites são aplicados uniformemente para todos os países (mantêm-se a proporcionalidade).

Feita a escolha do máximo e do mínimo para cada indicador, correspondentes aos valores do índice 0 e 1.
A fórmula usada no cálculo do índice de cada país é:

Índice da dimensão = (valor actual – valor mínimo) / (valor máximo – valor mínimo)

Aqui, o problema maior surge no cálculo do IPIB. Os técnicos do PNUD, partindo do pressuposto segundo o qual para atingir um respeitável nível de desenvolvimento humano não requer um rendimento infinito, adoptam uma escala logarítmica na correspondência do indicador e o índice. Consequentemente, iguais incrementos no nível de PIB por pessoa têm cada vez menos impacto no aumento do índice. Por outras palavras, se o PIB por pessoa dos noruegueses aumentar em Usd 500 enquanto o PIB por pessoa dos angolanos aumente em Usd 200, Angola terá uma maior melhoria no IDH. Neste contexto, a escala logarítmica disfarça grandemente as assimetrias de rendimento existentes entre os diferentes países. Uma escala logarítmica, ao invés de uma escala linear, tem um “efeito disfarce” das gritantes assimetrias de rendimentos entre os diferentes países e pode levar os países pobres a “dormir na sombra da curva logarítmica”. Este é o segundo aspecto.
Em resumo, na interpretação do valor e do IDH, mais dois elementos devem ser tidos em conta: o carácter convencional dos limites superior e inferior dos indicadores e o uso de uma escala logarítmica no cálculo do valor para o indicador PIB por pessoa que tem por efeito o disfarce das reais assimetrias existentes entre os países.
O terceiro aspecto tem a ver com as distorções causadas pela frequente desconexão entre PIB por pessoa e o nível de vida. Para contornar este problema o PNUD usa um indicador auxiliar. Este indicador é a diferença entre o lugar do país no ranking do PIB por pessoa (calculado pelo Banco Mundial) e o lugar do mesmo país no ranking do IDH. Pressupondo que quanto pior forem os indicadores de vida saudável e de educação, dado o nível de PIB por pessoa, pior é a distribuição da riqueza num país, esta diferença pode tomar um maior significado que o próprio IDH na análise do acesso as oportunidades e do esforço feito pelos formuladores de políticas de um país na melhoria das condições de vida dos seus cidadãos.

O seguinte quadro resume este indicador para uma série de países, cada um dos quais, seleccionado por uma razão específica relevante para Angola.



iii) Como isolar o efeito do PIB na evolução do IDH?


Em estudos práticos, se quisermos controlar o efeito do PIB por pessoa na evolução do IDH e compará-lo com outros países (em particular, com os países da sua vizinhança no ranking do IDH) podemos aplicar a seguinte metodologia:


Definir “pessoa IDH” como o índice que mede capacidades intrínsecas à pessoa. No caso, estas capacidades são a saúde e a educação;


Definir “puro IDH” como o IDH determinado unicamente por variações nos indicadores de saúde e educação. Isto é, o IDH resultante de uma perfeita distribuição da riqueza nos países. Nestas condições, qualquer melhoria no IDH, resulta de melhorias reais nas capacidades intrínsecas a pessoa, isto é, saúde e educação.


De seguida aplicar as seguintes etapas de cálculos;


1) Para o ano inicial do período em análise usar a seguinte fórmula:

IDH = (pessoa IDH)*(2/3)+(IPIB)*(1/3)

2) Usar os valores conhecidos IDH e IPIB para os países em análise no ranking do IDH;

3) Pressupondo a inexistência de correlação entre as dimensões, calcular o índice “pessoa IDH”;

4) Proceder da mesma forma para todos os anos do período em análise;

5) Para cada ano, usar “pessoa IDH” e o IPIB do ano inicial para calcular o “puro IDH” usando a seguinte fórmula:

Onde, “puro IDHt” = (pessoa IDH)t*(1/3)+(IPIB)0*(1/3)

6) Interpretar os resultados.

A aplicação desta metodologia para Angola permite-nos chegar a conclusões muito interessantes sobre os progressos verificados pelo país nas diferentes dimensões do desenvolvimento humano.


Vale a pena lembrar que o IDH é um modelo económico e os modelos valem na medida dos seus pressupostos. O leitor do IDH é que deve saber interpretá-lo. Porém, mesmo com todas estas insuficiências, o IDH continua a ser o melhor indicador do nível de desenvolvimento dos países e o que melhor reflecte a nova abordagem de desenvolvimento humano, a abordagem de Amartya Sen e do PNUD.


[1] Amartya Sen é um economista indiano, laureado com o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel em 1998, pelos seus contributos para a teoria da decisão social, e do "welfare state". Nascido em 1933, em Santiniketan, Amartya Sen já leccionou na Delhi School of Economics, London School of Economics, Oxford e Harvard. Reitor de Cambridge, é também um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento (Universidade da ONU). Seus livros mais importantes incluem "On Economic Inequality", "Poverty and Famines" e "On Ethics and Economics" (wikepédia, Março de 2008).
[2] Este conceito de desenvolvimento ultrapassa as visões restritas que apresentam o desenvolvimento como crescimento de PIB, aumento do rendimento pessoal, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. Também supera a definição de pobreza como baixo nível de rendimento passando a ser definido como privação de capacidades básicas.
[3] Economista paquistanês, então director do PNUD.
[4] Fórmula aplicada pelo menos para o Brasil.
[5] Note que a selecção das capacidades incluídas no IDH resultou de dois critérios: 1. Tinham de ser capacidades universalmente valorizadas pelas pessoas. 2. Tinham de ser básicas de forma que sem elas várias outras capacidades seriam excluídas. Portanto, um país deve ter a capacidade de escolher as capacidades que quer desenvolver e esta escolha deve ser dinâmica com o decorrer do tempo, além de poder variar para as várias regiões que constituem o país.
[6] Lembremos que a metodologia do IDH aqui descrita para os países pode ser aplicada de forma directa para regiões dentro destes.

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