segunda-feira, 22 de setembro de 2008

OS EFEITOS NEGATIVOS DOS SUBSÍDIOS AOS COMBUSTÍVEIS


Emílio Londa
(Estudante de Economia)

A problemática dos subsídios aos combustíveis em Angola tem tomado cada vez mais relevância nos diferentes espaços de debate.
Grande parte das opiniões apela a redução dos subsídios aos combustíveis dadas as consequências negativas que tem sobre o çpºsaldo do Orçamento Geral do Estado. Altos níveis de subsídios aos combustíveis resultam, naturalmente, numa maior despesa agravando o deficit orçamental.
Um outro grupo de opiniões apresenta o argumento segundo o qual os subsídios aos combustíveis constituem uma forma de má redistribuição de rendimento. Segundo esta posição, o quantil de angolanos que possui automóvel (os maiores beneficiários dos subsídios) é exactamente o quantil relativamente mais rico. As famílias relativamente mais pobres são aquelas que não possuem automóveis. Sendo assim, os muitos milhões de dólares gastos pelo Estado em subsídios aos combustíveis acabam por beneficiar os angolanos relativamente mais ricos, ou seja, que menos precisam de subsídios ao rendimento.
Esta situação é agravada quando consideramos que as famílias ainda mais ricas são as que possuem mais de dois carros e que, normalmente, estes são do tipo americano (jeeps), maiores consumidores de combustíveis. Ou seja, as famílias possuidoras de mais e maiores carros são exactamente as maiores beneficiárias dos subsídios aos combustíveis.
Em resumo: segundo este argumento os subsídios aos combustíveis consiste num mecanismo de redistribuição da riqueza pública para os mais ricos.
Um terceiro argumento, muito relacionado com o anterior, baseia-se no Custo de Oportunidade da política dos subsídios aos combustíveis. Custo de Oportunidade é um conceito económico que se refere ao valor do que abdicamos para obtermos um determinado bem ou serviço. Segundo os princípios da Economia de Mercado, o custo de oportunidade deve ser somado ao custo explícito (normalmente, o preço) para obter o custo total de uma opção.
No caso dos subsídios aos combustíveis o custo de oportunidade é o valor daquilo que o Estado podia ter feito com os milhões de dólares usados para subsidiar os combustíveis. O custo de oportunidade é o custo desta política. Mais concretamente, o dinheiro usado na política dos combustíveis poderia ser usado em políticas educacionais ou de saúde pública. Este dinheiro pode mesmo ser usado em políticas directas de redução da pobreza. O valor destas políticas alternativas deve ser considerado na plenitude. Por exemplo, no caso do uso deste dinheiro na construção de hospitais devemos considerar o impacto de longo prazo. Ou seja, trabalhadores mais saudáveis, vida mais longa para as pessoas o que permitiria uma maior transmissão de conhecimentos das antigas gerações para as novas o que permitiria, por sua vez, a acumulação de um maior capital social.
Os participantes deste debate advogam ainda que os subsídios aos combustíveis tem tido efeitos negativos na afectação dos recursos por parte dos empreendedores na medida em que a manutenção de um preço uniformizado para todo o país desincentiva os empreendedores a operarem nas províncias distantes do litoral. O distanciamento destas províncias dos centros de refinação petrolífera implica um maior custo de colocação dos combustíveis. Para que os empreendedores estejam motivados a colocar combustível nestas províncias é necessário que os respectivos custos de colocação (em especial os custos de transporte) reflictam-se nos preços de venda.
Na prática, a uniformização do preço de venda dos derivados do petróleo com suporte dos subsídios dá lugar a emergência de um mercado informal no qual os preços são exorbitantemente elevados. Como consequência final, os consumidores adquirem os derivados do petróleo a preços muito mais elevado do que comprariam se o preço de venda fosse determinado de forma livre no mercado formal.
Um argumento que não tem sido explorado ao longo deste debate, mas que é, a meu ver, de extrema importância, é o impacto dos subsídios aos combustíveis sobre a racionalidade dos consumidores. Ao tomarem a decisão de como usar o seu rendimento disponível os consumidores tomam em linha de conta o preço dos bens do seu cabaz de consumo. O preço deve, por princípio, reflectir os custos sociais ligados a produção do respectivo bem.
No caso dos subsídios aos combustíveis, os consumidores não captam a totalidade dos custos sociais incorridos na produção do combustível que consomem. Como consequência, os consumidores têm um comportamento irracional induzido pela política de subsídios.
Assumindo um cenário no qual o preço dos combustíveis reflicta os custos sociais totais (reflectidos no preço internacional dos combustíveis), ou o custo de oportunidade (no caso dos derivados vindos da refinaria de Luanda), os consumidores de combustíveis passarão a usá-lo com um nível de racionalidade que corresponde ao total de custos causados na sociedade.
No caso dos automobilistas, maior racionalidade significaria usar os seus carros somente quando o benefício deste uso for superior ao custo social total. Ou seja, as pessoas usariam os carros quando fosse socialmente positivo. Para as actividade em que o custo social (reflectido nos preços) fosse maior que o benefício social (resultante do uso do carro próprio), os indivíduos usariam meios alternativos como, por exemplo, as caminhadas a pé (mais ecológicas e saudáveis).
Para o desenvolvimento do país é necessário que se crie uma cultura de racionalidade na afectação do rendimento dos particulares. A racionalidade deve resultar de preços que reflictam os custos sociais da produção dos bens consumidos. Os benefícios de uma maior racionalidade são mais profundos e duradouros. A política de subsídios aos combustíveis, além de tornar-nos mais irracionais, não garante a sustentabilidade do bem-estar visto que os custos sociais incorridos (por exemplo: a poluição, a raridade do petróleo, o aquecimento global, o custo de transportação, o custo de distribuição, maior congestionamento, o custo de oportunidade) serem maiores que os benefícios advindos do uso do combustível que é igual ao preço pago na sua aquisição. O custo social é maior que o benefício social.
Uma questão legítima de ser levantada é: dadas as consequências negativas da actual política de subsídios aos combustíveis levada a cabo pelo governo de Angola, porque se verifica a manutenção da mesma política?
A herança de uma cultura de governo paternalista que vem desde os tempos do Estado Socialista pode encabeçar a lista das explicações. Por outro lado, existe a consciência de que o facto de Angola ser um país produtor de petróleo deve vender os seus derivados a um preço abaixo dos níveis médios internacionais. Esta última razão resulta, em primeira instância, da não consideração do custo de oportunidade para o país e tem como maior consequência a manutenção da irracionalidade dos angolanos no uso dos recursos energéticos.
Por outro lado, o governo receia o surgimento de insatisfação social que possa ter consideráveis consequências políticas. O facto é que uma população com tão elevado índice de iliteracia como é o caso de Angola teria grande dificuldade em compreender e aprovar os argumentos que sustentariam a desistência desta política. Outras consequências que o Governo receia são as ligadas a inflação. Um preço maior dos combustíveis teria reflexos inevitáveis no nível geral dos preços dado o peso dos serviços de transporte (em particular dos “candongueiros”) no cabaz das famílias angolanas.
O facto é que os benefícios resultantes de uma maior racionalidade e de uma melhor afectação dos factores seriam sem dúvidas maiores e mais permanentes que os custos de uma inflação resultante do aumentos dos preços. Por outro lado, uma melhoria significativa e permanente das estradas mais do que compensaria os custos de um maior preço dos combustíveis. Uma circulação mais fluida dos automóveis permitiria poupar muito combustível além de permitir uma maior produtividade dos diferentes agentes económicos. Dada a existência de estradas urbanas e inter-urbanas condignas, uma política discriminatória de transportes públicos permitiria também mitigar os efeitos negativos de curto prazo de uma política de preços sustentável.
Por fim, coloquemos a questão da pertinência e da oportunidade deste debate. Será a questão dos subsídios aos combustíveis prioritária dentro do vasto leque de questões que preenche a agenda do país? Vejamos alguns números.
Considerando os dados do Ministério da Energia segundo os quais apenas 20% da população angolana tem acesso a energia eléctrica, não seria absurdo estimar que menos de 30% das famílias angolanas possui automóvel. Se juntarmos a este dado números publicados pelo Novo Jornal na sua edição nº 23 no artigo “PETRÓLEO CARO, ESTADO PAGA COMBUSTÍVEL”, a dimensão e a pertinência do problema fica mais claro. Segundo este artigo, em 2006 o Estado angolano gastou 1,2 mil milhões de dólares com subsídios que corresponderam a 3% do PIB do país. Neste mesmo ano a percentagem das despesas do Governo em Educação e saúde foram de 6% e 5% respectivamente. Em 2007 o Estado gastou 1,3 mil milhões de dólares. O mesmo artigo refere que os técnicos do Ministério das Finanças avaliaram em Kz 100 o preço real da gasolina o que mostra que o Estado subvenciona metade do custo real da gasolina. Noutros termos, em 2007, transferiu-se 1,3 mil milhões de dólares para os 30% dos angolanos mais ricos.
Será que a questão dos subsídios aos combustíveis oportuna no momento histórico que Angola vive? Num momento em que o país caminha a passos largos para a realização das eleições legislativas depois de 12 anos de Estado anómalo, este debate mostrasse bastante oportuno pelo impacto que a referida política tem sobre o rendimento disponível actual dos cidadãos e sobre a sustentabilidade do crescimento do país. A política dos combustíveis pode e deve estar no centro do debate da sociedade e na agenda estratégica dos partidos políticos. Pelo menos, esta questão vai muito além dos banais debates processuais que os nossos partidos nos vão habituando.



1 comentário:

EASN disse...
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