domingo, 4 de maio de 2008

PORQUE HÁ ESCASSEZ DE PRODUTOS BÁSICOS NOS MERCADOS EM Angola?

Por: Emílio LONDA

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) relativos a variação do Índice de preços no Consumidor (IPC) por classes de despesas, presente no último relatório trimestral do Banco de Espírito Santo sobre Angola, está a verificar-se uma tendência de alta nos preços desde 2007 que têm obrigado a adopção de medidas de política monetária e cambial mais restritivas. Por exemplo, a taxa de redesconto que o Banco Nacional de Angola, cobra aos bancos comerciais pelo empréstimo de dinheiro, subiu de 14,0% em 2006 para 20,0% em 2007 e a taxa de juros dos Títulos do Banco Central subiu de 4,0% para 14,9% no mesmo ano.
No curto prazo, estas políticas levam a diminuição do volume de moedas no mercado levado a contracção da procura. No longo prazo têm como efeito a diminuição da procura dos produtos não essenciais, para os quais a elasticidade da procura é elevada, para compensar tanto o aumento dos preços perante a necessidade de consumir os produtos essenciais, caracterizados por uma procura rígida. Como uma menor procura há uma diminuição no ritmo dos investimentos o que desacelera o crescimento económico.
Segundo os dados do INE relativos a Janeiro de 2008, as maiores variações do IPC deram-se em duas rubricas: ALIMENTOS E BEBIDAS NÃO ALCOÓLICAS e HABITAÇÃO, ÁGUA, ELECTRICIDADE e COMBUSTÍVEIS. Enquanto para estas a inflação foi de 1,42% e 1,18% respectivamente, a média de variação restantes rubricas que constituem o capaz do IPC foi de 0,035%.
Entre estas, as rubricas que tiveram uma desinflação foram VESTUÁRIO E CALÇADOS (-0,05%) e LAZER, RECRIAÇÃO E CULTURA (-0,68%). Dois factores justificam esta tendência. Primeiro, o facto de o mês de Janeiro ser precedido pela quadra festiva, período em que as famílias efectuam os maiores volumes de compra de roupas e calçados e têm um alto volume de gastos em festas. Durante o mês de Janeiro é natural que a procura por estes bens e serviços diminua. Sendo assim, porque a forte subida no preço dos alimentos? Porque, contrariamente ao vestuário, este não podem ser constituídos em forma de stock e são consumidos diariamente. Daqui provém a segunda explicação para a diminuição verificada nestas rubricas: uma elevada elasticidade da procura.
A rubrica TRANSPORTES teve um aumento de 0,03%. Como justificar esta pequena variação na inflação dos transportes quando confrontado com a maior procura do que oferta que a gente verifica no dia a dia no mercado de táxi em Luanda?
Como sabemos, o preço das viagens de táxi em Luanda foi determinado administrativamente. Consequentemente, este não apresenta grandes variações. Assim, como os agentes de táxi não podem ajustar os preços para responder a procura, adoptam mecanismos alternativos para fazê-lo. Dentre estes destaca-se o mecanismo que consiste no encurtamento das viajem. Como os términos dos táxis não está institucionalizado este mecanismo funciona com muita eficácia. Paralelamente a este, desenvolvem um mecanismo que poderia ser criativamente chamado de “dês-assistência pós-venda(1)”. Incluo neste conceito todas as formas de maltrato que os passageiros “compram” no momento em que adquirem este serviço. Inclui assim as condições em que são efectuados os carregamentos, a relação “cobrador-passageiros”, a velocidade com que andam os táxis, o número de passageiro acima da lotação máxima, os desvios sem aviso previu das rotas usuais, etc. Em resumo, incluo todo o comportamento dos agentes de táxi que coloque em risco a vida dos passageiros ou que diminua significativamente o bem-estar deste. Noto que separo este segundo mecanismo do primeiro, encurtamento das rotas, porque enquanto no primeiro caso o passageiro é previamente avisado da pouca qualidade do serviço (viagem curta), no segundo, o passageiro não pode prever com uma certa certeza o comportamento que os agentes de táxi irão adoptar ao longo da viagem.
A dinâmica deste processo é a seguinte. O Governo, com o objectivo de evitar as subidas do preço dos táxis e a respectiva volatilidade (e assim, evitar que estes se reflectissem no aumento do preço de outros bens e serviços, subindo assim o IPC), instituiu um limite máximo no preço dos táxis. Dado o aumento contínuo da procura por estes serviços o preço administrativo (50 Kz por viagem) deixou de reflectir as condições do mercado. Consequentemente, cada vez menos agentes investiram no negócio dos táxis (papel de reafectação dos preços). A oferta de serviço de táxis passou continuou a crescer, a ritmos cada vez menores, até que a entrada para este mercado deixou de ser economicamente viável. Do lado da procura, as assimetrias económicas existentes entre Luanda e as demais 17 províncias do país, levaram a maiores fluxos migratórios em direcção a “grande cidade” acelerando o ritmo de aumento da procura. Como, tal como estabelece um dos princípios da economia, os agentes reagem a incentivos. Se os preços deixaram de funcionar como incentivos, os agentes de táxi tiveram que adoptar uma função de produção mais intensiva. Uma produção mais intensiva implicou a diminuição da qualidade do serviço prestado. A diminuição da qualidade do serviço de táxis implicou uma redução significativa no bem-estar dos utilizadores de taxi.
Enquanto a liberalização do mercado de táxis levaria a uma subida nos respectivos preços em contrapartida do aumento do número de táxis e uma maior qualidade nos respectivos serviços, a fixação do preço dos táxis diminuiu o bem-estar dos consumidores, não através dos preços mas sim, através da qualidade do serviço.
A grande diferença entre estes dois cenários é que o segundo (manutenção dos preços e diminuição da qualidade do serviço) não vem reflectido nas estatísticas do governo. Ou seja, o IPC, por definição, não capta a degradação da qualidade dos serviços de táxi nem a respectiva diminuição do bem-estar dos passageiros. Para efeitos estatísticos, uma viajem Mutamba - Zé Pirão tem o mesmo peso que uma viagem Mutamba-Congolenses. Por outra, uma viajem na qual os passageiros são descarregados com o carro em andamento, tem o mesmo peso que uma viajem na qual o táxi para descarregar. Uma outra perspectiva de perceber o que está a acontecer consiste em considerar que os agentes de táxis, por não poderem praticar os preços que as leis do mercado estabelecem, optaram por vender “gato por lebre”, e que o IPC é o agente sanitário que, por definição, sofre de miopia.
Duas outras rubricas do IPC merecem uma breve consideração, a rubrica COMUNICAÇÕES e a rubrica HOTÉIS, CAFÉS e RESTAURANTES. No caso das comunicações a reduzida inflação deve ser compreendida a luz das características naturais desta indústria confrontando-as com as condições institucionais de Angola.
As comunicações constituem um caso típico dos sectores de utilidade que são caracterizados por elevadas economias de escala em resultado do elevado capital fixo necessário e das características tecnológicas específicas. Estes sectores, por motivos de viabilidade económica, tendem a ser monopólios (naturais). No caso de Angola, o mercado das comunicações pode ser considerado um duopólio que enfrenta uma pequena faixa concorrencial. Num ambiente de não existência de instituições para regular e acompanhar o sector, facilmente verifica-se situações de conluio, tanto explícito como tácito.
Os acordos tácitos de preços visam aumentar os níveis de produção das maiores empresas do sector sem, no entanto, baixar o preço dos serviços. Assim, as empresas existentes no sector retiram grandes proporções do excedente dos consumidores e maximizam o respectivo lucro. Consequentemente, as variações nas condições de procura não se reflectem de imediato nos preços dos serviços porque estes encontram-se a um nível tão acima do custo marginal que é possível responder aquelas sem ter de aumentar os preços. O resultado final é uma menor volatilidade nos preços.
O que é relevante na análise do sector das comunicações em Angola não é tanto como os preços estão a variar mas sim, a que níveis estão os preços em comparação dos custos médios das maiores empresas do sector.
No sector da hotelaria e turismo também existem fortes evidências de acordos tácitos tanto entre os hotéis quanto entre os cafés e restaurantes no sentido de manter os preços muito acima dos respectivos custos. Porém, a diferença essencial com o sector das comunicações reside no facto de o sector da hotelaria não ter as características de um monopólio natural. Ou seja, neste caso, era de esperar que se verificasse novas entradas no sector que levassem a redução dos preços. Quando as empresas de um certo sector incorrem a lucros tão elevados por longo período de tempo é um sinal de existência de barreiras a entrada no sector. A ser o caso, são grandes as possibilidades de no caso angolano estas serem barreiras legais dado que a tecnologia usada neste sector é de muito fácil acesso que o impossibilita de ser usada como barreira.

Depois na análise dos valores apresentados pelos componentes do cabaz do IPC no mês de Janeiro último, voltemos a nossa questão de título: porque os produtos básicos escasseiam nos mercados?
Durante o mês de Março deste ano alguns órgãos de informação têm reportado a escassez de bens alimentares essenciais nos diversos supermercados de Angola. Como compreender este facto se há bem pouco tempo surgiu em Angola uma rede de supermercados que visava exactamente o aumento de bens básicos e a consequente diminuição dos respectivos preços? A resposta a esta questão deve partir da análise do impacto desta mesma rede de supermercados, sobre a estrutura do mercado dos bens alimentares essenciais no longo prazo (a contar do momento da sua implementação). Para isso, deve ser aplicada a teoria económica das indústrias que funcionem em sistema de mercado.
Segundo a teoria da economia industrial, um mercado que funcione sob o regime de livre concorrência, tal como era este mercado antes do PRESILD, as empresas escolhem um nível de produção que maximize os seus lucros. A maximização do lucro implica que estas estabeleçam um preço próximo ao mínimo da curva dos custos médios. Ou seja, dados os custos de produção dos bens essenciais em Angola e os custos totais dos produtos importados, existe um volume de comércio para o qual os custos médios são mínimos. Para este volume, os preços são mínimos. Qualquer preço abaixo desde mínimo leva a prejuízos para a empresa por cada unidade produzida sendo que o mais viável passa a ser a mudança de actividade.
O PRESILD, além de ser um programa subsidiado pelos fundos públicos, visa a maximização de uma função utilidade diferente da função lucros. Assim sendo, o PRESILD não tem as suas decisões de colocação de produtos submetidas a curva de custos. Dada a sua dimensão, os preços em todo o mercado dos produtos alimentares essenciais deixou de reflectir os custos incorridos para a sua colocação, passando a estar muito abaixo destes.
Num primeiro momento, para uma grande parte dos supermercados que operação segundo as leis da sua curva de custos, a comercialização desde produtos deixou de ser viável levando a prejuízos significativos pelo que se retiraram de imediato da actividade. A outra parte, optou pela subsidiarização cruzada que consiste em aumentar o preço dos outros bens para compensar as perdas do segmento dos bens alimentares. O objectivo deste sistema de subsídios internos a empresa é manter a fidelidade dos clientes.
Verificou-se entretanto ao longo dos últimos meses, um aumento significativo da procura por bens alimentares a escala mundial em resultado do significativo aumento do pode de compra da classe média da China e da Índia. Este aumento da procura não foi acompanhado pelo aumento da oferta resultando assim num forte aumento no preço dos produtos alimentares nos principais mercados mundiais.
Dado que Angola importa parte significativa dos produtos alimentares essenciais, este aumento do preço a escala mundial traduziu-se no aumento dos custos médios operacionais para as empresas detentoras dos supermercados. Assim, a subsidiação cruzada tornou-se insustentável e estes viram-se obrigados a reduzirem ainda mais a proporção do seu comércio de bens essenciais.
Visto que a implementação do PRESILD não teve em conta os efeitos sobre a quantidade oferecida pelos outros supermercados (de diminuição), tendo concentrado a sua atenção nos efeitos sobre os preços, o mesmo não está sendo capaz de satisfazer a procura. Por outro lado, a possibilidade de arbitragem está a fazer com que os produtos do PRESILD cheguem ao mercado paralelo a preços altíssimos. Com uma menor oferta dos supermercados os produtos do PRESILD chegam ao mercado a preços mais altos do que os que incentivaram a sua criação.
A consequência final é a existência de um mercado distorcido, em resultado da distorção dos preços provocado pelos princípios de actuação do PRESILD, e preços mais altos, em resultado da má reafectação dos factores resultante da distorção dos preços, além do aumento do mercado informal em resultado da possibilidade de arbitragem.

(1) A inspiração deste termo vem do facto de na maioria das vezes o maltrato dos passageiros ocorrer opôs o pagamento da respectiva viagem.


Sem comentários: