terça-feira, 6 de maio de 2008

SERÁ QUE ANGOLA DEVE (e pode) ADOPTAR O EURO COMO MOEDA DE REFERÊNCIA?




Por : Emílio LONDA


ANGOLA NÃO DEVE ODOPTAR O EURO COMO MOEDA DE REFERÊNCIA PARA AS SUAS RESERVAS INTERNACIONAIS (PELO MENOS POR ENQUANTO). A ACTUAL INCERTEZA QUANTO AO EVOLUIR DA CRISE ECONÓMICA MUNDIAL NÃO ACONSELHAR A ADOPÇÃO DE ESTRATÉGIAS TÃO RADICAIS E ARRISCADAS (e até mesmo, tecnicamente custosas) SOB A PENA DE SE ENFRENTAR UM MAL MAIOR COM O EVOLUIR DA SITUAÇÃO. NO PRIMEIRO PONTO DESTE ARTIGO APRESENTO QUATRO ARGUMENTOS QUE DEMONSTRAM QUE ANGOLA NÃO DEVE TRANSITAR DO DÓLAR PARA O EURO. NO PONTO A SEGUINTE PROCURO ANALISAR BREVEMENTE A POSSIBILIDADE DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA VIR A SER MAIS PROFUNDA E DEMORADA DO QUE NOS EUA.

i. PORQUE ANGOLA NÃO DEVE ADOPTAR O EURO COMO MOEDA DE REFERÊNCIA DAS SUAS RESERVAS INTERNACIONAIS?
1. OPORTUNIDADE: A crise económica mundial actual é ainda incerta tanto na sua abrangência quanto na sua profundidade. Ainda não existe consenso relativamente a dimensão da desaceleração tanto dos EUA como da Europa. Muitos economistas das grandes escolas de economia, bem como economistas seniores das maiores empresas do sector financeiro, acreditam que a crise está simplesmente no início e que o impacto na Europa venha a ser maior do que nos EUA. Assim sendo, é de esperar que o dólar volte a se valorizar relativamente as outras moedas pelo que, seria um acto de pura precipitação (aceitando que seja tecnicamente possível) converter as reservas do país de Dólares para Euros. Enquanto prevalecerem as incertezas nada deve ser feito em termos de conversão das reservas pelo que o governo de Angola deve deixar que o seu valor flutue até que as tendências se tornem claras;
2. PRIMEIRO CONDICIONANTE: Angola não manteve até agora reservas em dólares somente porque esta moeda “era” forte. Angola manteve reservas em dólares porque a sua economia depende em 50% das exportações de um produto primário, o petróleo, que é cotado no mercado internacional em dólares. As Reservas Internacionais de Angola, tal como o stock monetário da sua economia, estão ancoradas ao dólar não tanto por esta moeda ter sido forte mas sim, porque as vendas de petróleo são realizadas em dólar. O que aconteceu até agora foi uma feliz coincidência nos factos (tal como a coincidência entre o aumento da produção de petróleo, a subida do preço do barril e a conquista da Paz), coincidência esta agora ameaçada (notemos: mesmo que no final das contas o dólar volte a valorizar, a simples volatilidade do seu valor e a incerteza advinda desta facto, constitui um factor e custo muito elevado para a economia que não pode ser evitado através da adopção do euro como moeda de referência). Neste momento, a única forma de compensar a depreciação do dólar em relação ao euro, a nível das receitas do Estado, é através do aumento do preço do petróleo em termos de dólares (note: o raciocínio segundo o qual Angola não está a tirar vantagem da subida no preço do petróleo devido a depreciação do dólar está desprovido de sentido – sendo redundante - visto que não podia ser de outra forma porque a maior parte do aumento verificado no preço do petróleo nos últimos meses deve-se a própria necessidade de compensação a perda de poder de compra do dólar - correcção cambial). Enquanto isto, os particulares (que têm os salários ou em dólares, ou ancorados ao dólar) deverão sofrer as consequências directas das flutuações verificadas no mercado e esperar que este se estabilize;
3. SEGUNDO CONDICIONANTE: A moeda de referência no mercado de trabalho em Angola é o dólar. Enquanto uma parte significativa dos salários no país forem pagos em dólares (e a outra metade estiver relativizada ao dólar), e enquanto o governo tiver a necessidade de controlar a inflação através da venda de dólares, as reservas do país não poderão passar para o Euro. Admitindo que sejam passadas (mesmo que apenas 60%), o governo deixará de ter capacidade de intervir no mercado do cambial de dólar, consequentemente o dólar vai apreciar-se relativamente ao Kwanza, enquanto perde valor no mercado internacional perante o Euro (admitindo este cenário). Ou seja, o Kwanza perderá valor perante o Euro em duas etapas: primeiro em relação directa ao dólar e, segundo, em relação indirecta ao Euro através do dólar. Considerando ainda as tendências inflacionárias que se está a verificar no mercado dos cereais (com o milho e o trigo a baterem recordes de preço) e as altas de inflação já verificadas na Europa (3,5 % em Março de 2008) em resultado do aumento do preço dos combustíveis, os riscos de inflação importada multiplicam-se no mercado de bens e serviços de Angola;
4. TERCEIRO CONDICIONANTE: Tornar o Euro na moeda de referência para o país vai causar problemas de liquidez a todos os níveis. O facto de existir um maior stock de dólares no mercado mundial faz com que seja relativamente mais fácil (barato), tanto para as empresas (em particular os bancos) como para os particulares, obter esta moeda-divisa para as transacções. O Euro, por ser uma moeda recente, está disponível em quantidades limitadas pelo que a sua adopção como moeda de referência para a nossa economia possa causar sérios problemas de liquidez tanto no curto como no longo prazo;
5. SOLUÇÃO: Sendo um facto que uma transição do Dólar para o Euro, além de não ser oportuna, implicar custos (incluindo os inerentes a esta operação) que poderão superar os custos incorridos com a desvalorização das reservas em dólar, a solução eficaz e sustentável (infelizmente, de longo prazo) passa, mais uma vez, pela DIVERSIFICAÇÃO DA ECONOMIA NACIONAL a fim de diminuir a dependência do país do petróleo, facilitando assim a diversificação das reservas internacionais do país, além de diminuir os impactos das flutuações do mercado cambial internacional. No curto prazo as atenções devem se concentrar no combate à inflação através de políticas aduaneiras e fiscais além da eliminação de alguns factores que condicionam a concorrência e a eficiência nos diferentes mercados do país.

ii. A CRISE ECONÓMICA SERÁ MAIS PROFUNDA NA EUROPA DO QUE NOS EUA?
No meu primeiro argumento no sentido de Angola não transferir as suas reservas de dólares para Euros referi a possibilidade da Europa vir a enfrentar uma crise maior que a dos EUA. De seguida analise este argumento com mais profundidade.

1º ARGUMENTO: ESTAGFLAÇÃO EMINENTE: A crise económica que os EUA (e não só!) enfrentam neste preciso momento, embora relacionada, diferencia-se significativamente da crise que a Europa vai enfrentar. A diferença principal reside nos factores originários: enquanto a crise Norte Americana resultou da manutenção das taxas de juros a níveis muito baixos (1%) pela administração de Alan Greenspan, a crise na Europa está a resultar de dois factores que afectam a economia real: DESACELERAÇÃO DOS INVESTIMENTO e INFLAÇÃO. Os elogios a manutenção pelo Banco Central Europeu da actual taxa de juros de referência em 4% realçam a pertinência desta posição na reposição do poder de compra do Europeus que tem sido ameaçado pela inflação. Inflação esta que, não estando a resultar de uma deslocação para a direita da curva da procura, resulta necessariamente de uma deslocação para a esquerda da curva da oferta, em resultado dos choques que tem sofrido com o encarecimento dos factores. Por outro lado, as críticas a manutenção da taxa de juros ao nível de 4%, centram-se nas implicações que esta posição tem no processo de acumulação de capital (abrandamento) que por sua vez diminui a tendência de crescimento de longo prazo (produto potencial). Ou seja, se a equipa de Jean-Claude Trichet “insistir” em seguir os desígnios do BCE (de manter a inflação próximo dos 2%) independentemente do que estiver a se passar na economia real, a Europa vai precipitar-se numa situação de ESTAGFLAÇâO (RECESSÃO+INFLAÇÃO). Enquanto que, como nos EUA, uma crise de crédito pode ser combatida através de injecção de moedas na economia, combinada com o asseguramento pelo Estado dos créditos bancários (tal como aconteceu com o North Bank na Inglaterra), uma crise que afecta o produto potencial combinada com altas na inflação tenderá a ser muito mais difícil de combater. Relativamente ao debate do Euro/Dólar, o impacto de uma crise que afecte os fundamentos da economia da zona Euro será o de diminuir a produtividade relativa da Europa e, através desta, apreciar o dólar;
2º ARGUMENTO: DIRECÇÃO DO FLUXO DE CAPITAIS: suponha que Jean Trichet não seja tão “teimoso” (note que a teimosia de Thichet, além de precaver a inflação, está a desempenhar o papel fundamental ao conter manter alta a confiança dos agentes – teoria do “animal spirit” de Keynes) e que corte as taxas de juros de referência para a zona Euro. No “minuto seguinte” a esta decisão vário milhões serão convertidos de Euro para dólares invertendo de imediato a actual tendência de desvalorização do dólar. “Um minuto depois do minuto seguinte”, as bolsas europeias entrarão em queda e outros tantos milhões se vão converter de Euro para Dólar e o valor do desta vai subir ainda mais. No “terceiro minuto a seguir a um tal discurso de Thichet”, os preços vão disparar na Zona Euro e como consequência o dólar vai valorizar ainda mais. Muito tempo depois desta cadeia de efeitos duas coisas se poderão passar: I- a Europa consegue restituir a confiança na sua economia e os investimentos surgem, ou; II – a Europa não consegue restituir a confiança na sua economia pelo que estes efeitos serão seguidos pela estagflação referida acima.
EM RESUMO, independentemente da posição do BCE relativamente aos níveis das taxas de juros (manutenção – 1º Argumento – ou diminuição – 2º Argumento), o Euro vai perder valor porque a economia europeia está realmente “doente”, independentemente das “doenças” da economia norte americana. Quanto a Angola, se não quiser agravar a sua “doença estrutural” (quase crónica) que se prende principalmente com a dependência exclusiva do petróleo, deve manter as suas reservas internacionais em Dólares, deve apostar fortemente na indústria interna (o que poderá implicar uma menor intervenção no mercado cambial), deve apostar na qualidade dos serviços de saúde, deve apostar na qualidade do ensino, nas tecnologias de informação, comunicação, deve apostar na universalização do ensino do inglês e, finalmente, deve desenvolver sectores nos quais detenha vantagens comparativas a fim de diversificar as suas exportações. Será um processo árduo mas, É O ÚNICO CAMINHO CAPAZ DE PREPARA O PAÍS PARA ENFRENTAR AS CRISES ECONÓMICAS DO MERCADO GLOBAL.
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PANO DE FUNDO: DADOS DA CRISE ECONÓMICA MUNDIAL
- O ritmo de crescimento dos EUA é o mais baixo desde os anos 1970;
- Quase todos os maiores bancos do mundo e os maiores fundos de pensões enfrentam uma profunda crise de liquidez (O maior banco do Norte da Inglaterra teve que ser nacionalizado enquanto o quarto maior banco dos EUA teve que ser vendido);
- A inflação na Zona Euro é a mais alta dos últimos 16 anos (3,5%);
· A taxa de desemprego na Espanha nos 10%;
· A taxa de pobreza em Portugal presente no último relatório do Banco de Portugal é de 20%;
- O preço do petróleo é o mais alto de sempre (114 $/b);
- O preço do trigo e do milho são os mais altos de sempre em resultado das reservas deste produtos atingirem os níveis mais baixos de sempre;
- A valorização do Euro perante o Dólar é a mais alta de sempre (cada 100 dólares ganho por um angolano vale na Europa cerca de 61 Euros);
- As flutuações nas bolsas de valor são as mais altas dos últimos anos;
- Os índices de confianças dos agentes económicos são os mais baixos das últimas décadas.
“Esta é a pior crise desde a segunda guerra mundial” (Alan Greenspan – Chairman do FED de 1987 a 2006)

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