terça-feira, 2 de junho de 2009

ANGOLA: CANAIS DE TRANSMISSÃO DA CRISE (1ª edição)

Por: Emílio LONDA


(Este é um extracto do artigo “Angola na Rota da Instabilidade” divulgado em Fevereiro de 2008 em www.caaei.org )



(Depois de uma breve caracterização da crise económica mundial) voltemos agora a nossa questão inicial: por que canais Angola será atingida pela referida crise?

Angola é um dos países que mais cresce a nível do planeta. É um dos países responsável pelas altas taxas de crescimentos que a África subsariana vem apresentando nos últimos anos. As causas deste crescimento expressivo podem ser resumidas em três grupos:


1. DIVIDENDOS DA PAZ: as mudanças nas expectativas dos investidores, a mudança nas expectativas dos consumidores, o aumento na produtividade dos trabalhadores, o restabelecimento das trocas comercias inter-provinciais, etc;

2. CRESCIMENTO EXPRESSIVO DAS RECEITAS PETROLÍFERAS; e

3. ALTOS NÍVEIS DE INFLUXOS DE CAPITAL: investimento directo estrangeiro e dívida externa.


Dentre estes grupos de factores o segunda, receitas petrolíferas, tem um maior poder explicativo do crescimento de Angola. Por sua vez, o aumento expressivo das receitas petrolíferas é explicado pelo crescimento da produção[1] e pelo aumento do preço do petróleo nos mercados mundiais. De entre as teorias que visam explicar a subida do preço do petróleo, a que mais reúne consenso é o emergir de uma classe média altamente consumidora nos países emergentes. Um factor residual que explica o aumento das receitas petrolíferas é a melhoria significativa no controlo e na gestão destes recursos em comparação aos anos anteriores a 2002.

O primeiro canal através do qual Angola será atingida pela crise económica mundial é o preço do petróleo. Sendo certo que a procura deste commoditie irá contrair-se em resultado de uma menor actividade económica nas grandes economias, deduz-se que o seu preço irá inevitavelmente sofrer uma redução. Como consequência as economias exportadoras de petróleo verão as suas receitas diminuírem significativamente.

Segundo o comentário de um analista da Edwards & Sons à Bloomberg[2], “os preços do petróleo poderão descer mais um pouco nos primeiro e segundo trimestres (deste ano), à medida que a economia for desacelerando e os inventários de crude aumentando”. Notemos ainda que os EUA e a Europa consomem 36% do petróleo mundial.

No caso particular de Angola, o PIB petrolífero correspondeu a 57,12% do PIB total em 2006 ( www.minfin.gv.ao) e as exportações de petróleo representaram 75% das exportações totais.

O quadro a seguir mostra que entre os países da África subsariana exportadores de petróleo Angola é o que mais depende do petróleo.





Os dados precedentes deixam claro que o impacto de uma crise mundial na economia de Angola é significativo e não deve ser ignorado.

Refira-se também que a partir deste ano as vendas de Angola no mercado mundial estarão sujeitas a quotas determinadas pela OPEP.

O segundo canal através do qual Angola será atingida pela crise económica mundial é a taxa de câmbio. Dediquemos algumas linhas a compreensão deste canal.

Um dos maiores feitos da equipa económica de Angola é a estabilização dos preços através de uma intervenção permanente no mercado primário de câmbio. A política usada recebe o nome de esterilização “ex-ante” e tem como principal ferramenta a compra e venda de qualquer divisas (dólares) a preços anunciados. A suportarem esta política estão grandes quantidades de dólares que o governo obtém, principalmente, com a venda do petróleo.

Através desta política a equipe económica do governo tem controlado a taxa de câmbio fixando-a em torno dos 80 Kz/Usd há cerca de 3 anos. Na lista dos efeitos positivos da fixação da taxa de câmbio está o facto de, através dela, se conseguir estabilizar os preços. As evidências empíricas apontam no sentido de ter existido uma forte correlação entre as variações cambiais e as variações nos preços antes de 2002. O controlo dos preços é também conseguido pela política monetária seguida através da “esterilização ex-ante” e das operações de mercado aberto realizadas pelo Banco Nacional de Angola. Por outro lado, um kwanza valorizado é sinónimo de importações mais baratas.

Na lista dos efeitos negativos destaca-se o facto da sobrevalorização do kwanza diminuir a competitividade dos produtos internos. Efeitos perversos no desenvolvimento industrial interno e no processo de diversificação da economia são várias vezes acusados pela Associação Industrial de Angola (AIA). O segundo aspecto negativo desta política tem a ver com os altos custos que implica aos cofres do Estado. Assim, qualquer referência aos benefícios da estabilização dos preços deve ter em consideração os custos por detrás da mesma.

Quando esta política começou a ser aplicada, em 2002-2003, vários economistas conceituados de Angola chamaram a atenção ao carácter insustentável da mesma. No entanto, os anos passaram e a ela sobreviveu.

Como a crise económica mundial de 2008, fica comprometida a principal base de sustento da política de estabilização macroeconómica, nomeadamente, as reservas em divisas provenientes da actividade petrolífera.

Segundo o Relatório de Fundamentação do OGE para 2008, prevê-se que neste ano se exportem 710,6 milhões de barris que, a serem vendidos a um preço médio de 55,00 dólares por barril[3], resultará numa receita igual a 39,083 mil milhões de dólares. Em 2007 as receitas provenientes da exportação de petróleo foram de 40,416 mil milhões de dólares resultantes de uma quantidade de 626,6 milhões de barris vendidos a um preço médio de 64,5 dólares por barril.

Uma significativa redução nas reservas em dólares obrigará o governo a diminuir (senão desistir) a intervenção no mercado cambial. A acontecer, a taxa de cambia se irá alterar em direcção a taxa de mercado que é de facto caracterizado por um kwanza muito desvalorizado.

As consequências imediatas serão um significativo encarecimento dos bens e serviços que resultará numa maior inflação. O spread entre a taxa oficial e a paralela aumentará bem como o intervalo de variação. Em resultado teríamos uma maior instabilidade económica.

O risco de inflação é reforçado pelo facto de 2008 ser um ano de eleições no qual se prevê significativos aumentos nos gastos públicos e no consumo privado. Este aumento na procura constituirá uma grande pressão sobre os preços.

O terceiro canal a considerar é o da inflação importada. Vejamos: os EUA e a Europa estão a enfrentar níveis altos de inflação como resultado do encarecimento das principais matérias-primas. Para impulsionar a actividade económica, estas economias terão que baixar as taxas de juro significativamente que por sua vez resultará numa maior inflação. Sendo Angola um país fortemente importador, apesar do superávit da Balança de Pagamentos, é fácil concluir que as altas inflacionárias se vão repercutir neste país, facto que requerer uma intervenção mais agressiva nos mercados monetário e cambial.

O encarecimento das importações vai também resultar da depreciação do USD face ao EUR e ao YENE.

Dados os volumes de importação de bens e serviços da Europa (destacando as importações da indústria petrolífera, de serviços financeiros e de turismo) e da Ásia[4], considerando ainda que a nossa economia está “indexada” ao dólar, mostra-se evidente que uma crescente desvalorização do dólar perante o EUR e o YENE resulta num encarecimento das importações de Angola.

Ao terminar a referência aos canais de transmissão da crise importa referir que esta exposição ao risco teria sido significativamente menor se o governo tivesse sido capaz de traduzir os dividendos do petróleo em outras competências para o país. Os apelos no sentido “colocar os ovos em cestas diferentes” e aumento do mercado interno através do aumento do poder de compra das populações não foram ouvidos (pelo menos não foram conseguidos). Hoje o país está indubitavelmente na rota da instabilidade. Teremos que ser capazes de desviar a rota do avião.
[1] O “boom!” na produção é tão significante que, enquanto foi necessário meio século para atingir a marca de 1 000 000 barris por dia (b/d) para dobrar a produção, de 1 000 000 b/d para 2 000 000 b/d, serão apenas necessários 4 anos, de 2004 para 2008.
[2] www.bloomberg.com
[3] A persistência do governo em usar preços tão reservistas, mesmo considerando as características das ramas angolanas em relação ao Brent, reforça os argumentos de falta de clareza na gestão dos recursos públicos.
[4] Algumas das mais importantes importações de Angola da Ásia, em particular, da Singapura, são os FPSO’s (navios de exploração, armazenamento e transporte de combustível) usados nos novos desenvolvimentos da indústria petrolífera. Para um conhecimento detalhado dos novos desenvolvimentos nesta indústria ver o capítulo de José Oliveira no Relatório sobre Energia em Angola da Universidade Católica de Angola de 2007

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