quarta-feira, 3 de junho de 2009

COMO DESVIAR ANGOLA DA “ROTA DA INSTABILIDADE”?

Por: Emílio LONDA


(Este é um extracto do artigo “Angola na Rota da Instabilidade” divulgado em Fevereiro de 2008 em www.caaei.org )



Angola realizou grandes feitos deste a sua constituição. Dentre estes realçam-se a independência, a conquista da paz e a efectivação da reconciliação nacional. A estabilidade económica surge num segundo plano entre os grandes feitos da nação angolana. Assim sendo, importa que se desvie o “avião da economia” da rota da instabilidade para uma mais estável e mais sustentável.

Seja quais venham a ser as opções dos pilotos do avião a operação de manobra terá que por uma profunda avaliação da situação. Durante este processo de avaliação deve-se levar a cabo estudos capazes de determinar a extensão da exposição de Angola face a crise mundial que se aproxima e capazes de determinar as melhores opções no novo quadro político e económico mundial que se desenha. Estes estudos devem lançar as bases para um projecto de desenvolvimento de longo prazo.

Os respectivos resultados devem ser discutidos a nível das universidades, dos ministérios e de outros organismos públicos ou civis. Os economistas conceituados do país deverão ter uma participação activa neste processo. Os académicos deverão aproveitar este momento raro da história económica para enriquecer as suas bibliotecas de “case studies”.

Um outro passo que merece consenso consiste na antecipação da revisão do OGE para 2008 visto que este assenta em pressupostos relativos ao comportamento da economia mundial ultrapassados deste Outubro de 2007 com o lançamento do Word Economic and Financial Surveys 2007.

O OGE para 2008 baseia-se nos seguintes pressupostos da economia mundial[1]:

1. A continuidade do ciclo de crescimento da economia mundial, com uma taxa e crescimento real estimada em cerca de 5,2 porcento, em 2008, não obstante a alta do preço de petróleo bruto e a crise no mercado imobiliário dos E.U.A. que ameaçou propagar-se pela economia
Mundial;

2. Nível de inflação mundial controlada, prevendo-se um nível anual de 2,1 porcento, nas economia avançadas, e 5,0 porcento, nas economias emergentes e em desenvolvimento;

3. Aumento dos preços de petróleo bruto no mercado internacional, em razão da limitada capacidade de produção face à demanda global que se mantém forte;

4. Forte crescimento do comércio mundial ao nível de cerca de 7,4 porcento;

5. Tendência para aumento ligeiro das taxas de juro para o Euro e o Yen, com as taxas de juro de curto prazo a atingirem, respectivamente, os níveis de 3,7 e 1,2 porcento;


Como já ficou claro, todos estes pressupostos relativos ao comportamento da economia mundial são hoje (Fevereiro de 2008) inconcebíveis e alguns mesmo, tal como o aumento da taxa de juros do euro, absurdos.

Acrescente-se que, até ao momento das eleições, será determinante a boa gestão das expectativas porque poderão ser determinantes na racionalidade ou irracionalidade na hora do gasto dos milhões e milhões de dólares que os diferentes agentes do processo terão disponíveis.

Estas são três acções que permitirão diminuir a intensidade da tempestade. No entanto, para colocar o avião numa rota de longo prazo sustentável (com menos riscos de queda), são necessárias mudanças estruturais mais profundas. Dentre estas destacam-se as seguintes:


a. Aceleração do processo de diversificação da economia. Deve-se aproveitar o facto das importações vindas da Europa e da Ásia estarem a tornar-se caras para impulsionar a produção interna. Os programas de reactivação dos parques industriais da Viana, da Catumbela e de Cabinda devem ser acelerados. A expansão do projecto Adeia-Nova também deve ser acelerada.

O processo de diversificação da economia deve dar prioridade os sectores trabalho intensivo para acelerar o combate ao desemprego[2]. Como resultado de um tal processo teremos uma economia menos exposta as crises económicas mundiais.

b. O modelo de crescimento actualmente seguido no país apresenta um desequilíbrio na importância dada entre a acumulação de capital físico e a acumulação de capital humano.

O problema económico é que, a partir de certo nível de capital acumulado, os acréscimos de capital não terão o efeito desejado (potencial) enquanto o factor trabalho não crescer (em termos qualitativos) na proporção necessária.

Do lado da procura, deve-se ter em atenção a necessidade de uma classe média com grande poder de compra para suportar o florescimento da indústria interna. A criação desta classe média deverá resultar de uma melhor redistribuição dos rendimentos sustentada por um aumento expressivo no nível de literacia do angolano.

Estudos demográficos e económicos da população e do seu papel no processo de desenvolvimento económico devem ser levados a cabo pelas instituições do governo, pelas universidades e pelos centros de estudos em continuidade de estudos como o do prof. Manuel José Zenha Rela (ANGOLA, o futuro já começou, 2005).

Num discurso proferido neste ano pelo vice-ministro do Planeamento, Pedro Luís Fonseca, declarou-se que o ritmo de crescimento devem ser acompanhadas por uma redução do crescimento demográfico para se poder reduzir a pobreza.

O aumento da população é um elemento crucial para o desenvolvimento sustentável de Angola. Não se deve confundir as causas da pobreza. O excesso populacional em Angola não é nem um facto muito menos a causas da pobreza. Esta está muito mais ligada a concentração de riqueza e má distribuição do rendimento além da muito baixa produtividade do trabalhador.

Angola é ainda um país desértico e não é mera coincidência o facto dos países emergentes terem todos uma populações acima dos 100 milhões de habitantes. A fórmula mágica destes países foi conseguir criar know-how no ceio de uma grande população que garantisse o factor trabalho e um vasto mercado interno.

O outro aspecto ligado a população são as gritantes assimetrias regionais. Do combate às assimetrias regionais estão dependentes a resolução de alguns problemas já apontados como de “impossível” solução como é o “caso Luanda”.

A sua compreensão deve ter como base as teorias de imigração do campo para a cidade (dentre as quais o modelo de Lewis é um grande expoentes), as teorias da economia regional além de teorias demográficas, sociológicas e jurídicas pertinentes.

A economia industrial é outro campo teórico que terá um papel crucial no solucionamento das assimetrias. E, como defende o prof. José Álves da Rocha, a disseminação das universidades por regiões definidas em função de critérios funcionais (precavendo a perca de qualidade) será um factor determinante no estanque na imigração do campo para a cidade dos mais jovens.

Ou seja, um crescente desequilíbrio entre capital físico/tecnológico versos capital humano e o crescimento exponencial da cidade de Luanda condicionarão todas as políticas públicas, sectoriais e empresariais e poderão precipitar o país para a crise económica.

c. O modelo de crescimento económico deve assentar num crescimento mais acelerado da oferta de energia com base num plano nacional para o sector eléctrico[3].

Do outro lado da Balança Energética, do lado do sector petrolífero, deve-se ser assumido um compromisso nacional no sentido de estabilizar a produção de petróleo nos 2 milhões de b/d, não mais do que isso, a fim de assegurar um maior rácio reservas/produção.

“A situação de hoje é o resultado de muitos anos de prevalência da economia do petróleo sobre o resto da economia: 94% das receitas de exportação, 70% das receitas fiscais do Estado, 57% de toda a actividade económica – no final dos anos 70 e durante os anos 80, esta preponderância chegou aos 65% - e menos de 1% de toda a força de trabalho empregada.” (prof. Alves da Rocha em Relatório Energia em Angola - Ucan, 2007).

d. Devem ser combatidos os monopólios em diversos sectores, em especial no sector da telefonia móvel, e a criação de entidades reguladoras dos sectores das utilidades (electricidade, água, gás e telecomunicações).

e. Deve-se, efectivamente, abandonar os subsídios aos combustíveis porque, por um lado, levam a um uso irracional por parte dos consumidores (papel de racionalização dos preços) e desincentiva a oferta deste produto no interior do país por agentes privados (papel de reafectação dos preços) e, por outro lado, aumentam as assimetrias de rendimento visto que o quantil da população angolana que possui automóveis é o quantil mais “rico”. A extensa população de Angola verdadeiramente pobre não possui automóveis e não tem sido beneficiada por este subsídio.

f. É urgente que se encontre formas de combater ao sub-emprego[4] no sector público e nas empresas públicas. É um perigo para a saúde económica do país quando a frequência com que se encontra na Sonangol muitos trabalhadores, incluindo licenciados, com muito pouco trabalho para executar.

É claro que um processo de modernização do sector público será doloroso. Mas já existem receitas pouco dolorosas. Portugal e outros países europeus podem servir de “case studies” por estarem a passar por um processo idêntico.

O facto é que o Estado não deve continuar a usar ineficientemente fundos para pagar salário a trabalhadores que acrescentam valor zero no PIB.

g. A saúde e a educação devem ser elevadas da escala de prioridades do Estado. Não basta que a percentagem sector social aumente no OGE. São necessárias programas articulados e sustentáveis que permitam elevar todos os indicadores do IDH.

Na perspectiva económica uma melhor saúde tem impacto directo na produtividade do trabalhador e nas decisões económicas de longo prazo. A medida que a esperança de vida a nascença aumenta, os agentes tendem a fazer investimentos financeiros e reais de maior duração e as instituições financeiras concedem mais facilmente empréstimos. Também existe uma maior acumulação de inventário intelectual na sociedade.

Uma melhoria no sistema educativo deve passar pela eliminação do fosso existente entre o ensino médio e o ensino superior em termos de qualidade a fim de alavancar o nível dos licenciados pelas nossas universidades.

É, no entanto, a realização de um estudo para avaliar o sucesso ou insucesso do actual programa de reforma educativa a fim de proceder os devidos ajustamentos.

É também urgente a banalização das tecnologias informáticas e o seguimento de um programa agressivo de ensino do inglês a partir do ensino secundário a terminar nas universidades para o aumento da competitividade internacional dos quadros angolanos.

h. Relativamente às finanças públicas, além de ser necessária uma diversificação da estrutura fiscal do Estado, é necessária uma melhor prestação nos actos de negociação das dívidas externas.

Por exemplo, os termos do empréstimo chinês desactivam completamente o mecanismo dos multiplicadores dos gastos públicos explicados em modelos básicos da macroeconomia keinesiana.

Nos termos deste contrato, as empresas que são estimuladas são as chinesas pelo que o efeito multiplicador das despesas (que justifica a intervenção estatal na economia) dá-se na China e não em Angola. Os salários não pagos aos angolanos que poderiam usar para estimular as nossa empresas e o mercado financeiro interno.

Estes elementos devem ser considerados como custo de oportunidade em qualquer análise custo/benefício do empréstimo chinês.

i. Se a protecção do meio ambiente não poder ainda constar nas prioridades de acções práticas, que se proteja pelo menos as populações dos efeitos nocivos da indústria petrolífera.

No município do Soyo, província do Zaire, os poços de petróleo da actividade em terra (on-shore) estão a escassos 5 metros das casas nas povoações do Pángala, Bairro Fina, e Bairro T.
Há três anos , uma fuga de gás nesta zona do Soyo causou vítimas mortais. Dias depois do incidente a TOTAL (operadora do bloco) desmentiu os factos. O Ministério do Ambiente abriu um inquérito que nunca produziu resultados.

No mesmo município, a fábrica de liquefacção de gás natural (ALNG) está sendo edificado a escassos 100 metros do bairro Kikala-Kiako situado entre a baixa da cidade e a base petrolífera do Kwanda.

A saúde neste município é péssima e as pessoas morrem até de simples dor de cabeça. No hospital municipal falta a simples paracetamol. Os cajueiros já não dão frutos, os coqueiros secaram. Já não se faz praia porque a única praia segura do município foi coberta pelo gasóleo.

Nunca foram levados a cabo estudos na região no sentido de determinar os níveis de poluição. Os únicos estudos próximos foram levados a cabo com o fim de viabilizar o projecto ALNG, o ESHIA[5].

j. Os problemas sociais como a criminalidade e a prostituição devem ser atacados nas suas causas. Soluções adversas (e desumanas) no combate a um crime que tem origens em causas económicas/sociais bem identificadas levaram ao surgimento em Luanda de crimes brutais nunca antes vistos.


Angola voa na rota da instabilidade, mas é ainda possível desviar a trajectória, fugir da tempestade para estabilizar o vou numa trajectória de longo prazo onde voemos de forma sustentável, ainda que mais baixinho. Tudo depende da nossa boa vontade da dimensão do SONHO ANGOLANO!

[1] www.minfin.gv.ao
[2] A taxa de desemprego se mantém acima dos 30%, principalmente em resultado das características tecnológicas da indústria petrolífera, capital intensivo. A agravar a elevadíssima taxa de desemprego de Angola, está a elevada proporção de trabalhadores que recebe o salário mínimo de 60 dólares mês, valor insuficiente para a aquisição da cesta básica no PRESILD.
[3] Segundo um relatório da Agência Internacional sobre energia em Angola, apenas 20% da população angolana tem acesso a energia eléctrica.
[4] Sub-emprego é o nome que se dá quando um sistema económico está a operar com mais mão-de-obra do que preciso de tal forma que a diminuição de uma unidade de trabalho não aumente o produto marginal do trabalho.
[5] www.angolalng.com

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